Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, dezembro 08, 2006

Dora Kramer - Só a política comove



O Estado de S. Paulo
8/12/2006

A resistência do presidente Luiz Inácio da Silva a enfrentar de público a crise no sistema de transporte aéreo tem uma explicação e é política: mantendo-se na retaguarda, Lula e seus conselheiros acreditam poder evitar dano à imagem pessoal do presidente, o grande - talvez o único - sustentáculo da sua reeleição. É uma opção tão ousada quanto arriscada. Deu certo nas sucessivas crises políticas resultantes de denúncias de corrupção, mas pode não dar certo agora que o caso atinge direta e objetivamente o cotidiano das pessoas, os negócios do País.
Lula não tem saída: é o presidente, chefe da Nação, e, por mais que se atribua o caos nos aeroportos à responsabilidade da Aeronáutica, à leniência do ministro da Defesa, ao despreparo das companhias aéreas, trata-se de um problema de gerência em que o responsável último é o administrador-mor. Foi eleito para isso, para administrar, tocar o dia-a-dia do País, preservar a segurança, assegurar o bem-estar, guardar as garantias e os direitos dos cidadãos.
Ele pode até manter o silêncio, levar as coisas como tem feito até agora, na base da manipulação publicitária, da divulgação de versões de que está "irritadíssimo" com a situação, mas não conseguirá com isso se livrar do problema e evitar o tão temido desgaste político.
Não há eleições em jogo, que é o que ao fim e ao cabo interessa aos locatários do poder como prioridade zero, mas há o julgamento da História e, antes disso, quatro anos de governo para o presidente mostrar serviço.
Serviço este que, apesar de toda a propaganda do "nunca antes neste país", no primeiro período resumiu-se ao incremento do assistencialismo elevado ao status de projeto de Nação. Ou alguém é capaz de citar uma realização que não seja a junção dos programas anteriores de distribuição de benefícios primários no Bolsa-Família? A preocupação do Palácio do Planalto com a crise no setor aéreo só se fez presente quanto se evidenciou o risco do malefício de natureza política. Até então, nada foi feito, pouco foi falado, coisa alguma foi esclarecida, no pressuposto de que tudo se resolveria por obra e graça da sorte presidencial. Lula está malacostumado.
A "blindagem" foi bem-sucedida em todas as outras ocasiões e, baseados nesse sucesso, os conselheiros presidenciais, além do próprio, consideraram por bem adotar a mesma prática.
Só que, desta vez, a conta está equivocada: se Lula não sair da toca, se continuar se escondendo das questões mais complicadas, as coisas podem, e vão, ficar piores. Esse tipo de tática pode ser boa para ganhar eleição, mas não serve para governar, ainda mais quando há tanto tempo pela frente. Ou o presidente acredita que é possível amoldar a realidade às suas conveniências políticas por quatro longos anos, agora que não parte mais do patamar de 83% de popularidade registrado em janeiro de 2003? O governo reage às tontas, nomeia um gabinete de crise sem ter um plano de contingência para ser executado por ele e, quando fala, não diz coisa com coisa. Isso ocorre por pura incapacidade de agir administrativamente e pela ilusão de que a política, sozinha, é capaz de tudo mover.
Mas, quando sobra teatro e falta competência, nem na política se obtêm bons resultados.
Prova é a derrota do governo no primeiro embate de sua nova base no Congresso, na escolha do indicado do Parlamento para uma vaga no Tribunal de Contas da União. O governo conseguiu perder unido, com um só candidato, e a oposição ganhou dividida. Com vários nomes na disputa, emplacou um deputado não reeleito do PFL.
Se não tomar uma providência efetiva, se não vestir o figurino da responsabilidade presidencial e continuar achando que governa com truques de aparência, o presidente Lula, que teve o primeiro mandato marcado pelos escândalos de corrupção, caminha para tomar posse no segundo já sob a marca da inoperância, da qual terá muito trabalho para se livrar a tempo de entrar pela porta da frente da História.


Lula se esconde da crise nos vôos para tentar evitar dano à sua imagem pessoal
À matroca
A cada explicação dada pelas autoridades, mais obscuras parecem as verdadeiras razões da crise nos aeroportos e mais desprotegidos, desrespeitados e desassistidos ficam os cidadãos. Agora o ministro Waldir Pires disse que faltou suporte técnico no Cindacta-1 para sanar a pane no sistema de comunicação.
Segundo ele, "por sorte" um técnico francês estava em Manaus e viajou a Brasília para resolver o defeito.
No outro pico da crise, semanas atrás, a justificativa foi a de que dois controladores ficaram doentes em Brasília, faltaram ao trabalho e todo o sistema foi afetado.
Sejamos francos: nada disso é verdade. Se fosse, seríamos obrigados a concluir que o sistema aéreo brasileiro, tido e havido como um dos mais seguros e avançados do mundo, de repente se transformou numa arapuca de quinta categoria, sem assistência técnica nem reserva de pessoal.
Como até há dois meses funcionava, os aviões de carreira estão no chão, mas a mentira está no ar.

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