Artigo - |
O Globo |
12/12/2006 |
Recém-saído da Semana da Consciência Negra, desembarquei em Londres em meio a mais um round na polêmica travada por Ken Livingstone, prefeito da cidade, e Trevor Phillips, presidente da Comissão para Igualdade Racial, que se despedia do cargo depois de quatro anos. Em comemoração aos 30 anos de criação da comissão, uma grande conferência se realizou no fim de novembro, e Livingstone se recusou a fazer parte dela. Esquerdista com inequívoco currículo de apoio às minorias, mas capaz de ofender um repórter judeu e não se desculpar por isso, Livingstone está há tempos contrariado com o que vem dizendo Phillips. E o que diz Phillips? Simplesmente que o Reino Unido, a despeito de todos os avanços contra o racismo, está se tornando cada vez mais uma nação etnicamente segregada. "A desigualdade está sendo aumentada por vivermos separados", disse. O "Daily Telegraph" resumiu bem a questão num editorial: "Infelizmente, por muitos anos a Comissão para Igualdade Racial foi também o veículo para a doutrina do multiculturalismo que minou o a-racialismo que devia encorajar. "Celebrar a diversidade" se tornou uma desculpa para a criação de guetos étnicos e religiosos." Uma pesquisa divulgada durante a conferência mostrou que a despeito do grande número de minorias no Reino Unido (só em Londres, existem 42 comunidades étnicas com mais de 10 mil pessoas), poucos se misturam. E nós, brasileiros, que já somos uma mistura, vemos uma legião de ativistas querendo nos transformar numa nação bicolor. Estamos querendo caminhar para trás. Phillips não é um derrotista. Em seu discurso, enfatizou os avanços que o Reino Unido alcançou e chegou a dizer que a Grã-Bretanha é hoje o melhor lugar na Europa para, na definição dele, um "não-branco" viver. A pesquisa que mencionei mostrou que 25% dos britânicos desejariam viver em bairros apenas de brancos, um número ainda alto, mas menor do que o encontrado em outros países: 44%, na Grécia; 42%, na Bélgica; 39%, em Portugal; e 37%, na Dinamarca. No Reino Unido há violência policial contra minorias, mas em menor escala do que em outros países ou em outras épocas. Nos últimos cinco anos também caiu a proporção daqueles que se importariam se um parente próximo se casasse com alguém de cor: eram 32%, hoje são apenas 12%. Apesar dos avanços, os perigos são grandes. A pesquisa quis saber dos entrevistados se no ano anterior tinham recebido em suas casas pessoas de outras etnias: 70% disseram que isso dificilmente aconteceu. Não há mistura, não há troca. Phillips denunciou o fato de que, apesar do discurso em contrário, mais e mais a classe média branca se afasta das áreas com concentração de imigrantes e negros, tornando-as ainda mais concentradas. É o racismo travestido de excessivo respeito às diferenças, é o multiculturalismo levando à "guetização". E a intolerância tende a crescer: 61% dos brancos britânicos reclamam que há imigrantes em excesso, mas 54% dos imigrantes já estabelecidos fazem a mesma reclamação. Meu pirão primeiro. O impressionante é que pela primeira vez mais da metade de todos os membros de minorias étnicas já nasceram no Reino Unido, não sendo imigrantes, portanto. São como eu. A diferença é que, no Brasil, eu virei um brasileiro igual a você, leitor, sem que nada marque, para consumo externo, a minha ascendência senão o meu nome. Lá, eu seria britânico como todos, mas, provavelmente, moraria num bairro árabe, usaria roupas étnicas, teria amigos preponderantemente árabes e me identificaria mais com a Síria do que com o Reino Unido. E teria ódio dos 100% britânicos. Vi num restaurante marroquino um garçom brasileiro ser destratado por um supervisor marroquino. O brasileiro me explicou: "É o racismo. Os donos do restaurante, franceses, destratam todos nós. Os marroquinos destratam brasileiros, lituanos, húngaros. Estes também se destratam mutuamente e a mim também. É cada um por si." Depois de 30 anos, as políticas anti-racistas tradicionais, as únicas advogadas por políticos como Ken Livingstone, trouxeram tolerância formal, mas não mistura, como deseja Trevor Phillips. Nós já temos mistura, mas alguns de nós preferem enaltecer a diferença, exaltar as raças na suposição de que, assim, combaterão o racismo. Para isso, fazem o que nunca fizemos, vendo racismo em toda parte e imitando americanos e europeus: todo mundo que não é branco é negro. É curioso o processo: quando olham os números, dizem que os pardos, mais claros ou mais escuros, são negros. Assim nos tornamos a maior nação negra do mundo depois da Nigéria, mesmo os pretos, na classificação do IBGE, sendo 6% da população, os pardos 42% e os brancos 52%. Mas, quando olham a realidade, classificam os pardos de brancos. Só assim são capazes de afirmar que não há negros como garçons em restaurantes ou como vendedores em lojas de shopping, ou como consumidores nos dois lugares. Se os pardos são contados como negros, todos esses lugares estão cheios de negros, não há como negar. Mas é como me disse um amigo outro dia, numa metáfora que envolve artes gráficas: para alguns, pardo em ambiente de rico "imprime" branco; em ambiente de pobre, "imprime" negro. Eu chamo isso de racismo. Devemos sempre afirmar que não somos diferentes. O racismo deve ser combatido energicamente, mas reforçando a verdade de que somos todos iguais, rechaçando a idéia de raça, enfatizando as semelhanças. Não se percebe que ao exaltar a diferença acaba-se por permitir que alguns aloprados comecem a dizer quem é melhor e quem é pior. Não devemos cair nessa fixação de ver cor onde só há gente. Infelizmente, quase todos os jornais, na Semana da Consciência Negra, pareciam ávidos por denunciar um racismo que não é nosso. Continuaram a ler estatísticas que mostram a desigualdade entre brancos e negros, e é decorrente da pobreza, atribuindo-a ao racismo, mesmo sabendo que os números não permitem esse passo. |
Entrevista:O Estado inteligente
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terça-feira, dezembro 12, 2006
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