Entrevista:O Estado inteligente

domingo, dezembro 03, 2006

JOÃO UBALDO RIBEIRO A segurança num boteco do Leblon

-Acho que o Menezes não vem hoje, já devia ter chegado.
Mas é natural que ele não venha hoje.
— Por causa do assalto? Nem pensar, cara, é o sexto dele, ele já é veterano, sabe tudo de assalto.
— Sim, mas é sempre chato, o Nildão contou que levaram até os tênis dele.
— Mas o Menezes é safo, já falei que ele tem experiência. Aqui no boteco, ele assina as contas e paga tudo no fim do mês, não precisa trazer nem carteira nem o dinheiro do chope. Ele só carrega o celular, que já está com o código anotado para ele desativar, se roubarem, uma cópia da carteira de identidade, para o caso de também levarem, um cartão de crédito que ele não desbloqueou de propósito pro ladrão não poder comprar nada e aí o tênis é para o assaltante não se aborrecer por não encontrar nada e levar junto com o Rolex dele, que ele comprou na Internet por 35 dólares e você jura que é legítimo.
Tem durado uma porrada de tempo aquele Rolex, porque ele não sai do pulso do Menezes já faz uns quatro meses e ninguém ainda roubou, acho que é um caso inédito. Acho que usar um Rolex na rua todo dia durante quatro meses aqui no Rio, sem ser roubado, é caso de Guinness. Sim, e ele leva o cartão do seguro-saúde, na esperança de que, se tomar um tiro na rua ou for atropelado na calçada, vejam o cartão e não levem ele pra hospital público.
Ele pensa em tudo.
— Bem, isso é verdade, o Menezes não se queixa, usa a criatividade.
— Usa, usa. E é uma das pessoas mais desprendidas que existem, ele pensa sempre em ajudar os outros. Tu soube do problema do Cavaco? Pois ele já bolou uma solução para o problema do Cavaco com a Regininha, e uma solução que vai servir para muita gente na mesma situação.
— Não, tou por fora, o Cavaco tem problema com a Regininha? A Regininha é uma santa, todo mundo sabe, nenhuma mulher agüentava nem metade do que o Cavaco já aprontou.
— Pois é, mas até a Regininha começou a querer proibir o Cavaco de sair depois das nove da noite. Nem um pulinho na padaria ela quer deixar ele dar e tu sabe que, sem aquele pulinho na padaria toda noite, o Cavaco não vive, já faz parte dele, acho que ele morre, se não for à padaria toda noite.
— Mas é porque ele aproveita e encontra aquela turma de aposentados dele e toma umas, com certeza é por isso.
— Não é nada disso, é porque ela se ajoelha para pedir que ele não saia, toda noite ela diz que sonha com ele tomando uma porção de tiros na cara por causa de uma caixa de biscoitos.
Teve um cara que negou uma caixa de biscoitos outro dia e o ladrão deu dois tiros nele, não matou mas aleijou. E realmente até a turma dos aposentados está mixando por causa do medo das famílias, mas a solução do Menezes é coisa de gênio. No começo, parecia que ia sair caro, mas tanta gente já está aderindo que o Menezes está pensando até em criar uma cooperativa logo, logo. Dividindo as despesas, sai barato pra todo mundo.
— Mas o que é que ele bolou? — Simples, cara, simplícissimo. Ele se inspirou nas madames que alugam uma van para ir ao teatro de noite. E aí criou a van da padaria! Cara, você não acredita, já tem duas vans contratadas e a demanda está aumentando, daqui a pouco é uma frota.
— Mas então já está entrando uma grana nisso.
— Claro! No começo o Menezes fez por filantropia, mas agora está vendo que é um negócio legítimo, acho que ele vai faturar bastante dentro de pouco tempo. Inclusive porque não é só a padaria, tem várias outras coisas, você não imagina o que o pessoal quer fazer à noite e não faz porque tem medo de sair aqui no bairro mesmo. O Menezes diz que não tem grande ambição nem quer brigar por território, fica aqui pelo Leblon mesmo. A segurança é que ele contratou fora, com um amigo dele que tem uma firma de confiança, pessoal que não alisa, sabe como é? Pessoal sério mesmo, acostumado a enfrentar e eliminar esses vagabundos.
— Eliminar? Eles vão matar gente? — Olhe aqui, você tem que encarar a realidade. Ninguém vai mandar matar ninguém, mas ninguém se mete com o trabalho da segurança. Cada van vai ter seu segurança e vai ser um homem escolhido a dedo, com comunicação instantânea com a central deles. É como o Menezes disse: “A gente contrata a segurança e o problema é com eles, não é nada conosco.” É isso mesmo, o Menezes está certo, não tem que ficar se queixando, tem que agir. Se eles matarem, o problema é deles, o pessoal só contratou a segurança. Como eles fazem a segurança é com eles.
— É, realmente os tempos mudaram.
Eu nasci e me criei aqui e...
— É, mas o tempo não pára e nós também não podemos parar. Ou nos adaptamos ou não sobrevivemos, sempre foi assim desde que o mundo é mundo.
— E você acha isso bom? — Não é questão de achar bom ou ruim, é assim e acabou-se, vá morar em Bagdá quem não gostar. E, além de tudo, isso representa uma visão otimista dos fatos, estamos outra vez fazendo do limão uma limonada, imagine só a atividade econômica que esse tipo de coisa vai gerar no Brasil todo. Tu é que não quer ver, malandro, mas o espetáculo do crescimento já começou!

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