O diálogo com governo ou PT requer que proponham não só prosa fiada
De tempos em tempos os políticos e a mídia se ocupam do tema “Pacto Nacional”. O fantasma do Pacto da Moncloa ronda a imaginação, vazia de conteúdo. Na Espanha pós-Franco (em 1977), assim como no Brasil depois do impeachment do presidente Collor, havia condições para e mesmo a necessidade de um grande diálogo e acordo entre as forças sociais e políticas do país. Na convocação da Assembléia Nacional Constituinte, depois da frustração da campanha das “Diretas-já”, também houve muita discussão em torno do apoio ao governo Sarney, que herdou o cargo em condições difíceis. Basta dizer que foi esse presidente quem, pela primeira vez, chamou as correntes comunistas — até então estigmatizadas — ao diálogo nos palácios.
Não é este o caso agora. Não há crise social, econômica ou institucional no país. Houve uma eleição em dois turnos, e a maioria absoluta reforça a legitimidade presidencial; o governo aparentemente dispõe de ampla maioria, pelo menos na Câmara. A oposição não está pedindo impeachment, mas também nada a impele, nessas condições, a um entendimento sem pauta definida com o governo. Não se trata de idiossincrasias, nem de egos feridos ou suscetibilidades pessoais, mas de integridade política e de convicções.
Mal saímos de uma campanha eleitoral na qual houve troca de acusações, algumas graves, além de ironias, farpas etc. Até certo ponto, isso é a rotina das disputas democráticas. Mas não houve apenas isso. Houve denúncias (e não vagas acusações) da compra de “dossiês” contra candidatos tucanos por parte de membros da campanha presidencial e da campanha petista ao governo de São Paulo. Houve distorção sistemática e continuada de informações com o objetivo de prejudicar a imagem do PSDB e de atingir, pessoalmente, um expresidente.
Enfim, toda sorte de “jogo baixo”. Procurei limitar minhas intervenções, durante a campanha, ao mínimo possível, apesar das contínuas e desnecessárias estocadas lulistas.
Isto, no plano pessoal, passa. E passa rápido em virtude das necessidades maiores do país.
Mas há o que não pode “passar”: as denúncias de corrupção, nunca apuradas até o fim (e não só as relativas ao dossiê), as distorções do imenso esforço coletivo feito nos anos 90 pelo país para alcançar a estabilidade e para recolocar o Estado em condições de funcionamento (inclusive com as privatizações que, aliás, e por sorte, foram mantidas e nunca foram reabertas no governo Lula). A campanha petista insistiu em jogar uma cortina de fumaça na consciência do povo, o que dificulta ao país a tomada de rumos consistentes e de longo prazo. Houve, também, o “aparelhamento” da máquina pública pelo PT, sendo a denúncia mais recente a do uso de recursos da Petrobras para fins partidários. Há, portanto, além das questões morais, divergências no modo de encarar o país e seu futuro. São estas questões, e não firulas pessoais, que impedem uma aproximação da oposição com o governo. Aproximação que, na forma como surgiu, mais parece uma proposta de “adesão midiática” do que um convite a sério para discutir propostas concretas para o bem do país. Pergunto-me, a propósito, por que este chamado ao entendimento não surgiu em 2003, depois da transição civilizada do governo do PSDB para o de Lula? Causa-me mal estar ver a recusa a um apelo presidencial julgada pela atribuição de intenções menores: FH não aceita o conselho de ex-presidentes porque não quer se sentar com Collor, ou não quer conversar com Lula por sofrer de um tipo agudo de “dor do cotovelo” provocada pela vitória do PT. E por aí desanda. Essas avaliações deslocam a questão principal, que é política: não há função alguma para esta esdrúxula prática de um conselho de expresidentes, advindos de situações políticas divergentes, salvo a de dar a impressão de que estamos todos de acordo. Mas de acordo com o quê, se nada foi proposto? A responsabilidade do presidente Lula, depois da vitória, é outra, bem distinta dessa retórica de negociações sem substância.
Começa pela reorganização de seu Ministério para o que não precisa, nem deve ouvir a oposição. E, em seguida, o trabalho com menos discursos para cumprir o que prometeu.
Isto impede o presidente, com uma pauta definida, de chamar alguém, ex-presidente ou não, de oposição ou independente, para discutir com ele alguma questão e eventualmente obter apoio para seus pontos de vista? Claro que não impede. Desde que efetivamente tenha e apresente pontos de vista sobre temas concretos, aos quais as oposições responderão de acordo com suas convicções. É a isso que me refiro quando digo que não é preciso ir “tomar cafezinho”, pois o necessário é saber quais são os rumos, quais as trilhas a seguir e se estamos ou não de acordo com eles.
Mas há um condicionamento preliminar. Disse algumas vezes e reitero: o presidente Lula não perdeu popularidade, mas perdeu respeito. Ele precisa reconquistar esse respeito para poder chamar as oposições para uma conversa que não seja enganação. Isso passa pela apuração dos desvios de conduta ocorridos em seu partido e em seu governo. A ninguém de boa-fé convence a atitude, até agora assumida, do “eu não sabia de nada”, os meninos foram “aloprados”, “os erros do PT” e assim por diante.
Não é verdade. Houve crimes que devem ser apurados e não encobertos pelas palavras presidenciais É uma questão de compostura e, mais do que isso, de transparência democrática, que nada tem a ver com intransigência oposicionista, melindres pessoais e quejandos.
O PSDB nunca faltou com o voto nas matérias de interesse nacional, como a reforma da Previdência, as PPPs e outras. Não faltará no segundo mandato, desde que itens importantes para o povo e para o país estejam em questão. Mas não pode fazer de conta que tudo vai bem na República. Não pode fingir que o que foi dito na campanha era para enganar o eleitorado. Neste caso trairia seus eleitores e se desmoralizaria. Um diálogo com o governo ou com o PT requer que eles voltem a propor algo positivo para o país e que, ao estender as mãos, tragam não só o coração, mas o espírito, com a disposição efetiva de convergência, sem factóides publicitários. Que proponham uma conversa afiada e não apenas conversa fiada.
Entrevista:O Estado inteligente
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