Editorial |
O Estado de S. Paulo |
15/12/2006 |
Quanto mais se fala, mais se erra, diz o ditado - mas esse é problema dos que se encantam com o som da própria voz. O problema de quem ouve é outro. É distinguir quando levar a sério as suas palavras e quando desconsiderá-las. Isso porque, além de errar, os muito loquazes tendem a dizer uma coisa agora e outra, diferente, logo adiante. Naturalmente, a exegese do verbo alheio enfrenta um complicador adicional: não há como deixar de fazê-la quando o orador é o presidente da República, e não há como ter certeza de que as conclusões a que se chega estão certas, dada a sua propensão para dizer "qualquer coisa, a qualquer hora, dependendo do público que o assiste e da conveniência do momento". A crítica é do poeta Ferreira Gullar, citado pela colunista Dora Kramer, a propósito do mal-estar que Lula causou aos seus velhos companheiros por afirmar que "se você conhecer uma pessoa muito idosa esquerdista, é porque ela tem problemas" - o que renegaria, com o costumeiro estratagema de culpar os outros pelos próprios deslizes - ou faltas piores. "Lamentavelmente, parece que tem gente no Brasil que não gosta mais de humor", tratou Lula de se inocentar. "Então nem uma boa brincadeira é considerada uma brincadeira." Irrelevante, o episódio ilustra, ainda assim, o desafio de interpretar as intenções do presidente quando está em jogo não o determinismo biológico das ideologias, porém a questão muito mais séria dos rumos do segundo governo. Sobre isso, Lula falou pelos cotovelos na quarta-feira, ao receber representantes dos movimentos sociais e os presidentes dos 10 partidos que o apóiam - o conselho político do governo. Do que os seus interlocutores revelaram, consolida-se uma expectativa desanimadora: o estilo do segundo Lula será igual ao primeiro, com muito reunismo e parlapatismo, agravados pela ausência de um primeiro-ministro de fato para cuidar do essencial, a economia, como foi Antonio Palocci. (A julgar por seu lavar de mãos na crise aérea, as virtudes gerenciais da ministra Dilma Rousseff talvez tenham sido superestimadas.) Lula disse que não teria buscado um novo mandato "para continuar na mesmice". Mas é de recear que esta será a herança maldita que legará a si mesmo. Na reunião com os movimentos sociais, segundo vazou, ele afirmou não querer "espontaneidade nem voluntarismo" nas decisões. Ou seja, nada de projetos mirabolantes que não resultem de avaliações criteriosas - e, claro, das costumeiras reuniões infecundas com os setores interessados. Descontado o vício incurável de trocar atos por palavras, seria o correto. Visto de perto, porém, o argumento deixa à mostra o calcanhar-de-aquiles do jeito lulista de administrar: um governante que aspire a ser não apenas um símbolo, mas o condutor de um país, precisa ter certeza sobre os fins pretendidos - e os meios possíveis - para tomar iniciativas e levá-las adiante. Um mínimo de voluntarismo, embora com base no conhecimento dos problemas, faz parte do ofício de presidir. "Quem sabe faz a hora / não espera acontecer", cantava Vandré. Mas, às vésperas de completar 4 anos no Planalto, Lula ainda deplora os entraves da governança. "Você toma uma decisão e a decisão não sai", desabafou. No encontro, aludiu a vagas providências para azeitar a máquina e deu a entender que a coalizão partidária que cultiva o ajudará a dobrar a burocracia - resta saber como. Aos chefes políticos prometeu não enviar nenhum projeto ao Congresso sem consultá-los, a partir do já mítico pacote para destravar a economia. A rationale é que, acertando os ponteiros previamente com os coligados, Lula não correrá riscos nas votações. Ora, deixando de lado a sua incontinência verbal e os seus ziguezagues - como o rompante espontaneísta dos 5% de crescimento em 2007, do qual estaria arrependido -, é de perguntar que riscos ele deixará de correr graças ao rolo compressor na Câmara (337 em 513 deputados) e à maioria relativa no Senado (46 em 81). Afinal, o que haverá de tão crucial para votar? Lula nega que irá à raiz dos problemas que tolhem o investimento público e desestimulam o investimento privado, mediante proposições ousadas. Mesmo se vier a lidar com a aberração da idade mínima para a aposentadoria, se contentará, ao que consta, criando um conselho para debater o tema. |
Entrevista:O Estado inteligente
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sexta-feira, dezembro 15, 2006
A herança maldita da mesmice
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