Entrevista:O Estado inteligente

sábado, dezembro 16, 2006

Grandes empresas brasileiras ganham o mundo

Com todas as fichas

A oferta de compra da Corus pela CSN mostra
a força das empresas nacionais. Elas estão
no jogo global com cacife de gente grande


Ronaldo França

Fábrica da CSN em Volta Redonda: a compra da Corus aumenta a exportação de capital pelo Brasil

A Companhia Siderúrgica Nacional realizou, na semana passada, uma manobra de admirável ousadia empresarial. Em menos de doze horas, a CSN cobriu a proposta pela compra da siderúrgica anglo-holandesa Corus, cuja aquisição vem disputando com a gigante Tata Steel, braço siderúrgico do grupo Tata, um dos maiores da Índia. No Brasil, a oferta da CSN impressionou o mercado, mas não causou o assombro que o valor poderia provocar. Os 9,75 bilhões de dólares oferecidos são uma quantia espetacular. É mais dinheiro do que o valor de mercado da própria CSN, avaliada em pelo menos 8,5 bilhões de dólares. O motivo dessa quase naturalidade com que a operação vem sendo encarada é que, no Brasil, as grandes disputas internacionais pela aquisição de empresas fazem parte de um movimento que começa a se tornar saudável rotina. Em outras palavras, o país entrou no jogo do mercado global, em que as aquisições de empresas transacionais são parte da estratégia de crescimento e sobrevivência. Historicamente dependente do investimento estrangeiro, o Brasil passou a exportar seu capital.

As empresas brasileiras estão seguindo uma tendência comum dos países emergentes. Corporações chinesas e indianas despontam entre as maiores compradoras de outras companhias em nações desenvolvidas. O Brasil está na briga. As estimativas indicam que cerca de 1 250, das 80.000 empresas brasileiras, já estejam com um pé fincado no exterior. Esse movimento pode ser medido nas planilhas do Banco Central. O volume de recursos brasileiros investidos no exterior alcançou, neste ano, um patamar inédito. Os brasileiros mandaram 23,8 bilhões de dólares para fora (tudo isso legalmente, fique claro). O valor foi pouco menor do que os 24,1 bilhões de dólares que investidores estrangeiros despejaram no Brasil entre janeiro e outubro deste ano (veja quadro acima). Caso a CSN compre mesmo a Corus (o que depende de aprovação dos acionistas da Corus), o ano que vem já começará como o segundo melhor resultado em investimentos externos brasileiros da história. Se for visto apenas o resultado líquido (o total de dinheiro enviado menos o que voltou na forma de lucros e dividendos), o investimento brasileiro chegou a superar a entrada de capitais estrangeiros.

Isso pode soar esquisito para quem se acostumou a ver o Brasil apenas como um quintal em que empresas de países desenvolvidos vinham comprar empresas e explorar o mercado. No novo cenário mundial ocorre o contrário. Em um ranking elaborado pelo Boston Consulting Group com as 100 empresas de países emergentes mais internacionalizadas, há doze brasileiras. E com uma presença notável. A Vale do Rio Doce, ao comprar a mineradora Inco, tornou-se o segundo maior grupo de mineração do mundo, atrás apenas da BHP Billiton. Pagou 17,8 bilhões de dólares, quantia duas vezes maior do que o governo brasileiro dispôs para investimentos no orçamento do ano passado. Se concretizar a compra da Corus, a CSN se transformará no quinto maior produtor de aço bruto do mundo.

Evidentemente, um movimento de internacionalização como esse não se dá apenas por voluntarismo. O que tem movido as empresas nesse rumo não é só a vontade de crescer. A conquista de novos mercados é uma questão de sobrevivência num mercado no qual quem não engole pode ser engolido pelo concorrente mais bem posicionado. As aquisições são o caminho para que as empresas alcancem ganhos de escala e maior competitividade. Mas há outras razões. "A dispersão geográfica ajuda a diluir os riscos, a buscar inovações e a incorporação de novas tecnologias", afirma o diretor executivo de Assuntos Corporativos da Vale, Tito Martins. Um exemplo é a própria compra da Inco, que trouxe junto a tecnologia de exploração subterrânea da empresa canadense em suas minas de níquel. Um conhecimento que a Vale simplesmente não dominava. "A busca por inovação está na origem desse processo de internacionalização. Os empresários brasileiros se destacam pelo valor que dão à busca por conhecimento", explica o diretor do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), João Alberto De Negri.

Essa busca do eldorado tem sido facilitada pelo câmbio. Com o real valorizado, os ativos no exterior estão mais baixos. Além disso, mercados mais desenvolvidos têm um ambiente de negócios que facilita muito a vida das empresas. As condições soam como música aos ouvidos do empresário brasileiro. Para se obter uma licença de operação, no Brasil, espera-se, em média, 400 dias. Nos Estados Unidos, bastam setenta e, no Chile, 180 dias. Sem tantos entraves burocráticos e com o mercado internacional aquecido, a busca de novos mercados tornou-se uma alternativa para compensar as limitações produzidas pelo baixo crescimento econômico brasileiro. Mais ainda num cenário em que não faltam oportunidades.

Na semana passada, o governo chinês desregulamentou o setor bancário, abrindo-o ao exterior. O Bradesco, maior banco privado brasileiro, teve assim o sinal verde para iniciar suas operações em Pequim. Por enquanto, não entrará no varejo. Sempre cauteloso, o banco vai dar atenção especial às empresas brasileiras que estão desembarcando no Oriente, enquanto não se familiariza com o país. "Vamos procurar aprender como funciona o mercado chinês", afirma o presidente do Bradesco, Márcio Cypriano. "Mas a globalização das empresas é irreversível e fortalece o Brasil. É bom termos empresas competitivas, eficientes e bem estabelecidas externamente", diz. Nos anos 90, quando teve início o processo de globalização, os desenvolvimentistas diziam que o Brasil, exposto à sanha dos competidores internacionais, estava fadado a um processo de desindustrialização. Do outro lado, havia os que acreditavam que o país se destacaria, mas principalmente pela fartura de mão-de-obra barata e abundância de recursos naturais. Tendo passado pouco mais de uma década, o que se vê é que ambas as visões eram equivocadas. O Brasil entrou no jogo global pela porta da frente.

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