Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, dezembro 14, 2006

Fundos de papel

Editorial
O Estado de S. Paulo
14/12/2006

Os fundos de previdência complementar para o funcionalismo, considerados a solução para assegurar aposentadoria melhor aos servidores sem causar novos rombos nas contas públicas, praticamente não saíram do papel. Criados há oito anos, com a primeira reforma previdenciária, aprovada no governo Fernando Henrique, eles funcionam em apenas dois Estados com grandes déficits previdenciários, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Na União, as regras para o regime de previdência complementar, instituído por emenda constitucional em 2003, dependem de lei específica, mas o governo Lula ainda nem enviou ao Congresso um projeto.
A instituição desses fundos foi, sem dúvida, um dos grandes avanços na previdência do funcionalismo. Ao contrário do regime predominante no setor público, em que o valor do benefício é previamente determinado, os fundos funcionam no regime de contribuição definida. Nesse regime, o participante recolhe determinada quantia e o governo, a sua parte, e o valor da aposentadoria dependerá do rendimento das aplicações do dinheiro. Assim, praticamente se afasta o risco de graves desequilíbrios financeiros no sistema, que, quando ocorrem, têm de ser cobertos com recursos do Tesouro, ou seja, são pagos com dinheiro dos contribuintes.
Além disso, a gestão dos fundos deve obedecer a uma regulamentação rígida. As contas do Tesouro e dos fundos devem ser rigorosamente separadas, o governo não pode contribuir com valor superior à contribuição do funcionário, a gestão dos recursos cabe a um corpo técnico que responde a um conselho administrativo e fiscal com autonomia em relação ao governo e parâmetros atuariais são constantemente revistos para assegurar o equilíbrio financeiro de longo prazo.
A emenda constitucional de 2003 determinou que todos os servidores admitidos após a criação dos fundos terão a aposentadoria limitada ao teto que vigora para o Regime Geral de Previdência Social, hoje de R$ 2,8 mil. A complementação será garantida pelo fundo ßde pensão. Funcionários admitidos há mais tempo, mas ainda longe do tempo de aposentar, poderão ser atraídos para esses fundos, pois, pelas novas regras, o valor de seu benefício será calculado por uma média aritmética e não mais determinado pela última remuneração, como é atualmente.
Cria-se, desse modo, um regime muito mais equilibrado do que o existente hoje, em que os trabalhadores ativos pagam os benefícios dos aposentados. Com o crescimento do número de beneficiários, esse regime tornou-se estruturalmente deficitário e passou a exigir recursos cada vez maiores do Tesouro. Sem mudanças profundas, se tornará insustentável. Se isso ocorrer, será danoso para todos, inclusive para os que dele hoje se beneficiam. A criação dos fundos destina-se a evitar que se chegue a essa situação.
Se é interessante para os governos e também para os servidores, consideradas as regras que vigoram desde 2003, por que demora tanto a instituição desses fundos? A experiência dos Estados, tema de reportagem que o Estado publicou há alguns dias, mostra que o grande problema está na incapacidade financeira dos Estados. No período inicial de constituição dos fundos de previdência complementar, os governos terão de recolher a eles a parcela que lhes cabe na formação do patrimônio cuja aplicação garantirá a aposentadoria futura do servidor; este, por sua vez, recolherá sua parte diretamente para o fundo, e não mais para o caixa único do Tesouro estadual. Mas este, além de ter uma despesa adicional, perderá parte da receita com que conta para pagar os benefícios dos que já estão aposentados. É por isso que Estados com grandes déficits em seu sistema previdenciário, como São Paulo e Rio Grande do Sul, pouco avançaram na solução de seu problema.
Estados que conseguiram criar fundos de previdência complementar utilizaram os recursos para cobrir déficits com aposentadorias anteriores. Na esfera federal, além de dificuldades financeiras, há divergências a respeito da constituição de um fundo único para os Três Poderes. O Judiciário, por exemplo, quer um exclusivo para si, com limite mais alto para o valor do benefício.

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