Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, dezembro 14, 2006

Caos no ar e no chão



Editorial
O Estado de S. Paulo
14/12/2006

Outro dia o presidente Lula se queixou de que não teve tempo de descansar do duro trabalho de se reeleger, no que - isso ele naturalmente não disse - investiu a maior parte do primeiro mandato com a sua discurseira cotidiana. Agora, reclama da privação do repouso porque tem de preparar o Brasil para crescer 5% no ano que vem, por meios que confessa ignorar, mas que prometeu descobrir até o dia da segunda posse. Preste-se atenção na dupla enormidade: o presidente da República deplora que não pode usufruir de um interregno entre os dois governos, como se houvesse uma solução de continuidade entre eles, sendo o mesmo o chefe dos dois, e faz crer que o destravamento da economia pode ser obtido mediante uma fórmula como as que são aviadas nas farmácias de manipulação.
Tem mais, infelizmente. Em busca do elixir do desenvolvimento de longa vida, Lula trancou-se anteontem por cerca de 10 horas com os ministros da área econômica, de infra-estrutura e com dirigentes das instituições financeiras federais. Disso resultou - se é que o verbo se aplica - uma versão atualizada do Plano de Metas dos anos JK, que se traduziria na definição de meia centena de projetos prioritários de investimentos em energia, transportes e saneamento. Preste-se atenção, novamente: 44 dias depois de sua confirmação no cargo, o presidente que perseguiu obsessivamente o poder durante 13 anos faz hoje o que qualquer chefe de governo do mundo que leve a sério a condição de administrador do seu país teria feito em período equivalente ao que separou, no Brasil, a eleição em outubro de 2002 e a posse em 1º de janeiro de 2007.
Dizia o recém-falecido Milton Friedman que não existe almoço grátis na economia. Tampouco existe na vida de uma nação. Os erros e omissões dos governos cobram dos governados um preço às vezes exorbitante, formado pelos mais diversos fatores de custo. Olhe-se à volta e é o que se verá. Enquanto as economias emergentes devem crescer 7% este ano, o Brasil que se dê por feliz com menos da metade disso. O presidente fala de boca cheia em novos programas, mas 102 dos velhos, previstos no Orçamento da União para 2006, gastaram, na média, menos de 30% do previsto. Dos R$ 2,364 milhões autorizados para a manutenção da malha rodoviária federal, apenas R$ 820,7 milhões, ou 34,7%, saíram do papel. E, significativamente, mal chega a 40% do previsto o gasto efetivo com segurança de vôo e controle do espaço aéreo.
Não surpreendem, portanto, as conclusões da auditoria do TCU sobre o apagão aeronáutico. "A crise não foi obra do acaso, mas de má gestão, da sucessão de equívocos, da indolência, da incapacidade de expandir o setor e do contingenciamento dos recursos", diagnosticou o relatório aprovado por unanimidade no tribunal. Mais uma vez é o caso de pedir que se preste atenção: essas palavras cortantes não descrevem um caso isolado, um raio em céu azul. Retratam a regra, não a exceção, da disfuncionalidade entranhada no Estado nacional. Segunda-feira, escrevendo no jornal Valor, o economista Gustavo Loyola foi ao nervo do problema: "A presente crise do transporte aéreo doméstico é a manifestação setorial de uma crise muito maior e mais profunda que ameaça toda a infra-estrutura econômica do País." Em outras palavras, no chão o caos não é menor do que no ar. É pior ainda. A crise não ameaça só isso e nem se esgota no Poder Executivo. Impossível dourar a pílula: 4 anos de lulismo reverteram progressos semeados e adicionaram vícios novos aos já muitos existentes no desempenho das instituições governamentais. A crise, portanto, é de funcionamento dos Três Poderes, a começar da "geléia geral", como aponta a colunista Rosângela Bittar, também do Valor, em que patinam o Planalto e a Esplanada. O Judiciário cuida de fazer o que entende ser justiça aos seus. O Legislativo, não bastasse a sua folha corrida, adiou, mas não desistiu da idéia de dar o que logo se chamou "indulto de Natal" aos mensaleiros e sanguessugas acusados de quebra de decoro parlamentar, dificultando a retomada dos processos ainda pendentes na legislatura de 2007. E a Câmara ainda festeja a aprovação da Lei de Saneamento Básico - depois de 20 anos! É como opera este Estado muito maior do que a economia do País e muito menor do que as demandas da aflita sociedade que o sustenta. Parafraseando o TCU, é um festival de má gestão, equívocos, indolência - e que só promete mais do mesmo.

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