Entrevista:O Estado inteligente

domingo, dezembro 10, 2006

Escolta para todos ou para ninguém-Ricardo Noblat



Ellen Gracie e Gilmar Mendes não foram os únicos ministros do Supremo Tribunal Federal a ser assaltados com armas apontadas para suas cabeças.

Em fevereiro de 2004, o ministro Marco Aurélio Mello foi assaltado dentro de um carro em São Paulo. Perdeu um Rolex especial para mergulho.

Em novembro do ano passado foi a vez de Eros Grau. Ele e a mulher foram rendidos quando chegavam em sua casa no Lago Sul de Brasília. Perderam o carro, jóias e dólares.

Quatro, pois, dos 11 ministros do Supremo sofreram o que se tornou comum na vida das pessoas que habitam as grandes cidades do país. É uma experiência terrível que provei na pele.

Eu, minha mulher, meu filho mais velho, a namorada dele e uma das minhas irmãs ficamos reféns de três bandidos na casa onde veraneávamos na praia de Porto de Galinhas, perto do Recife.

O assalto durou quase uma hora. Fiquei deitado no chão da sala principal imobilizado por um dos bandidos que apontava um revólver para minha cabeça.

O outro bandido rendeu minha mulher encostando-lhe uma faca no pescoço. O terceiro, armado com um revólver, obrigou meu filho mais velho a recolher tudo que havia de valor na casa.

Depois fomos trancados em um quarto e os bandidos se mandaram. Mas até que fossem embora sem ter machucado ninguém, foi um horror. Poderia ter acontecido qualquer coisa.

Os três bandidos acabaram presos 15 dias depois porque mataram a tiros um turista italiano que tentaram assaltar na praia de Boa Viagem.

Eu estava no Rio quando foi assassinada no Leblon a socialite Ana Cristina Gianni Johannpeter. Nos dias seguintes só se falou da morte dela, uma pessoa muito conhecida.

Da maioria dos meus amigos cariocas, todos chocados com o episódio, invariavelmente ouvi dois tipos de observação:

- Como ela foi capaz de sair por aí sem seguranças? Por que ela não tinha carro blindado?

Inconscientemente, eles também culpavam a própria Ana Cristina por sua estúpida morte. Como se a ninguém fosse dado mais o direito de circular sem seguranças e carro blindado no Rio.

Seguranças escoltavam os dois ministros do Supremo assaltados, anteontem, na Linha Vermelha. E é provável que os dois estivessem dentro de um carro blindado. Nem por isso...

A Polícia Federal vai investigar o assalto aos dois ministros, segundo anunciou o Ministro da Justiça. Não deveria. A não ser que lhe coubesse também investigar assaltos às demais pessoas.

Só para não sairmos do Leblon onde 48 mil pessoas ocupam um dos metros mais caros do Rio: de janeiro a setembro deste ano houve 474 assaltos a transeuntes.

Foram 344 no mesmo período de 2005, segundo o Instituto de Segurança Pública. Escapei por 15 minutos do assalto recente ao restaurante Garcia & Rodrigues na avenida Ataulfo de Paiva.

Sempre que algum figurão é morto ou assaltado, o governo manda a polícia mostrar serviço para baixar o tom da gritaria promovida pelos veículos de comunicação.

Há nessa atitude também um claro recado para os bandidos: poupem de suas ações pessoas com muito destaque. E assim poderemos continuar convivendo - o Estado e o crime.

Nunca na história deste país a violência urbana atingiu níveis tão alarmantes - mas, tudo bem, não se diga que "o homem" tem culpa no cartório.

Ele suporta uma herança maldita de pouco mais de 500 anos. Ninguém reconstrói um país em quatro anos - nem em oito, doze. E quase sempre ele é o último a saber das coisas.

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