Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, dezembro 15, 2006

Dora Kramer - Virada na madrugada




O Estado de S. Paulo
15/12/2006

O relatório final da CPI dos Sanguessugas deixou muito, mas poderia ter deixado tudo a desejar. Foi pífio, mas seria absolutamente inócuo se na madrugada de quarta para quinta-feira os deputados Fernando Gabeira, Raul Jungmann e Carlos Sampaio e a senadora Heloísa Helena não tivessem ameaçado, às 2 horas da madrugada, denunciar publicamente a existência de um grande conchavo entre os grandes partidos de governo e oposição para transformar o resultado da CPI numa conta de soma zero.

Para evitar a desmoralização completa, a maioria recuou e o relator Amir Lando concordou em pedir o indiciamento de dez envolvidos no dossiê Vedoin por formação de quadrilha e estabelecer o vínculo entre os autores e operadores do dossiê e as campanhas eleitorais do presidente Luiz Inácio da Silva e do candidato ao governo de São Paulo, Aloizio Mercadante.

O pequeno "exército brancaleone", que na fase inicial da CPI, no meio do ano, conseguiu dar substância à comissão e expor ao eleitorado as infrações de 72 parlamentares no manejo de emendas para compra de ambulâncias, usou das únicas armas de que dispunha - a pressão e o grito - para impedir que o relatório fosse totalmente anódino.

No documento original, levado ao exame da comissão horas antes de sua apresentação, não era citada qualquer relação entre o dossiê contra os tucanos e as campanhas de Lula e de Mercadante, apesar das evidências, bem como não eram previstos indiciamentos de nenhum dos personagens envolvidos.

Pela vontade do relator e da maioria da comissão, sequer haveria a citação do relatório parcial de agosto com os pedidos de abertura de processos por quebra do decoro parlamentar contra 69 deputados e 3 senadores.

A grande maioria não foi reeleita, a despeito da condescendência posterior do Congresso onde, depois das eleições, as grandes forças se reorganizaram e impediram punições por quebra de decoro.

Não fosse a disposição de Gabeira, Jungmann, Sampaio e Heloísa de amanhecer o dia denunciando publicamente a existência de um grande acordo para desmoralizar a comissão e livrar suspeitos ligados ao governo e à oposição, a CPI teria terminado servindo de aval à anistia corporativa.

"Ficamos no limite do possível. Não tínhamos como arrombar as portas intransponíveis que se levantaram contra a possibilidade de um resultado mais consistente", diz Raul Jungmann, absolutamente convencido das razões objetivas pelas quais a CPI não conseguiu dar "um salto de qualidade".

O primordial, a atuação da Polícia Federal. "A PF não fez nada, não chegou a nenhuma conclusão depois de três pedidos de prorrogação do prazo para as investigações. As 1.200 páginas do inquérito não contêm nada de fundamental além do que se sabe desde o estouro do escândalo."

Sem os instrumentos da polícia, não havia como a CPI avançar nas investigações. Jungmann cita um exemplo: a entrega só há poucos dias das imagens completas da "cena do crime" no hotel em São Paulo, onde dois petistas foram presos com o R$ 1,75 milhão para pagar o dossiê ao chefe da máfia das ambulâncias, Luiz Antônio Vedoin.

Na visão do deputado, porém, a própria CPI tem grande culpa no cartório: ignorou requerimentos aprovados de convocação de gente como Ricardo Berzoini e Freud Godoy, tratou com reverente compadrio ex-ministros dos governos Lula e Fernando Henrique Cardoso e, depois, os grandes partidos boicotaram o pedido de prorrogação da CPI.

Não obstante as frustrações, Raul Jungmann julga que valeu o combate: "Se não conseguimos avançar o suficiente para dar respostas à altura do desafio proposto à CPI, eles também não conseguiram fazer as coisas regredirem ao ponto morto."

Auto-referência

O resultado da pesquisa do Instituto Ipsos Opinion, indicando que a crise no tráfego aéreo só é considerada problema para 5% dos entrevistados, diz muito a respeito da indiferença de Lula no trato da questão.

Como não abalou sua popularidade e desconforta um grupo pequeno, relativamente à totalidade da população, o governo dá-se ao desfrute de lidar com a coisa na base do deixar estar para ver como é que fica.

É o império da lógica eleitoral permanente: se a imagem do presidente não é atingida, tudo é permitido.

À procura

O senador Delcídio Amaral, ex-líder do PT no Senado, cuja atuação como presidente da CPI dos Correios desagradou sobremaneira ao partido, está em busca de novos rumos.

Delcídio já esteve para sair do PT, recuou, mas agora concluiu que não dá mais e já conversa com várias legendas: PDT, PSDB, PFL e PSB.

Se fosse para decidir pela identidade, voltaria ao berço tucano, mas tem dificuldades em seu Estado, Mato Grosso do Sul, devido à influência do governador eleito, André Puccinelli, do PMDB, no PSDB local.

Seja qual for sua opção, o senador terá, nela, a chance de exercitar sua crescente tendência oposicionista ao modo petista de governar.

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