Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, dezembro 05, 2006

Dora Kramer - Tropeço na estréia

Dora Kramer - Tropeço na estréia


O Estado de S. Paulo
5/12/2006

O ato inaugural do presidente Luiz Inácio da Silva no posto de articulador político do governo não recomenda futuro sereno nas relações entre o Palácio do Planalto e sua base de apoio no Parlamento.

PT e PMDB já começaram se insurgindo sem a menor cerimônia contra a alegada preferência do presidente pela reeleição de Aldo Rebelo na presidência da Câmara, o que obrigou o Palácio do Planalto a anunciar, no tocante ao novo ministério, posição contrária à anunciada dias atrás.

Antes decidido a adiar as mudanças ministeriais para depois da eleição das presidências da Câmara e do Senado, em fevereiro, o presidente, segundo seus assessores, já cogita fazer alterações antes da virada do ano, a fim de tomar posse de figurino novo.

Ora, o adiamento - por mais questionável que seja submeter atos do Legislativo a ações do Executivo, era uma decisão - tinha exatamente o objetivo de conter o ímpeto fisiológico dos aliados e mantê-los unidos na expectativa dos cargos até a troca de comando do Congresso.

Só que está ocorrendo exatamente o oposto do pretendido: PT e PMDB perceberam o jogo e decidiram inverter a pressão, lançando candidatos para levar o governo a negociar logo os cargos. Aparentemente, fazem isso à revelia do Planalto, mas pode ser que o façam ao molde de combinação de bastidor com o próprio governo.

Se a verdade estiver na segunda hipótese, trata-se daquele tipo de esperteza que, superalimentada, vira bicho grande e engole o dono. Se for o que parece na leitura mais óbvia, restam duas possibilidades: ou a força da reeleição não foi suficiente para assegurar fidelidade de interesses e intimidar a pressão dos aliados, ou Lula, na posição de articulador, não tem habilidade bastante para levar sua turma na conversa e se entender com ela.

Arlindo Chinaglia, líder do governo na Câmara, está no páreo pelo PT, assim como concorrem pelo PMDB dois ex. O ex-oposicionista Geddel Vieira Lima e o ex-ministro Eunício Oliveira.

A proximidade dos personagens com o Palácio do Planalto, é claro, levanta a suspeita de jogada ensaiada. Com que objetivo, não dá para notar. Talvez o de ocupar todos os espaços, testar viabilidade de candidaturas, ou mesmo tentar que essa divisão tenha algum tipo de repercussão na disputa do Senado, sabe-se lá.

Se for isso, está em produção um risco. Todos os episódios em que o governo saiu perdendo começaram com excesso de confiança e menosprezo à capacidade do alheio e terminaram com o adversário saindo do camarote onde fazia apenas o papel de espectador para tentar disputar a cena principal.

Isso vale para a oposição claramente constituída, mas vale também para a massa inorgânica mais conhecida como baixo clero. Esse pessoal, quando vê a desorganização grassando, se apresenta logo ao debate, na esperança de que lhe sobre algum.

A contar pelos primeiros movimentos, conviria o quanto antes ao presidente transformar em fato a versão de que pretende deixar a tarefa nas mãos de um especialista. Se o escolhido for, como se diz, o governador do Acre, Jorge Viana, tanto melhor para o governo, para o Congresso e para o nível da convivência entre ambos.

Mas se, ao contrário, Lula insistir em ficar como articulador, abre a guarda para se ver desautorizado com freqüência constrangedora para um presidente da República chegado a um culto à personalidade.

Alvíssaras

Se for verdade mesmo que o presidente pensa em substituir ministros que, ao seu juízo, não estejam desempenhando suas tarefas a contento - por exemplo, Meio Ambiente e Defesa -, será um avanço em relação aos quatro anos anteriores, quando ministros só saíram por vontade própria, por conta de escândalos ou por necessidade de rearranjos políticos. Nunca por falha de desempenho.

Real II

Quando cobra de sua equipe arrojo nas soluções para o crescimento e reclama que só lhe apresentam fórmulas gastas, o presidente Lula está querendo dizer que o bom mesmo seria se lhe mostrassem uma espécie de Plano Real II, que cumprisse a etapa seguinte à estabilidade da moeda.

Para fazer o primeiro, Fernando Henrique Cardoso convocou especialistas com memória e experiência de planos anteriores e pôs o grupo a pensar e discutir durante um ano.

Lula poderia ter feito algo no gênero no primeiro mandato, mas, já que não fez, a data-limite de 31 de dezembro dada por ele para a execução do "arrojo" pode ser insuficiente.

História

A Fundação Mário Covas e as TVs Cultura e Câmara lançam na próxima segunda-feira o documentário AI-5, o Dia que não Existiu, dirigido pelo jornalista Paulo Markun, com a reconstituição da sessão do Congresso do dia 12 de dezembro de 1968, quando foi negada a autorização para o governo militar processar o jornalista Márcio Moreira Alves.

Além da sessão, com o pronunciamento de Mário Covas que virou a votação, há depoimentos inéditos sobre o episódio gota d"água para a edição do AI-5.

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