Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, dezembro 20, 2006

Dora Kramer - Operação embaraça-posse




O Estado de S. Paulo
20/12/2006

Uma operação-padrão, mais "padrão" que a já incorporada à rotina dos pousos e decolagens nos principais aeroportos do País, está sendo cogitada pelos controladores de vôo para ser deflagrada nos próximos dias 31 de dezembro e 1º de janeiro, com o objetivo não declarado, mas inequívoco, de atrapalhar a cerimônia de posse do presidente Luiz Inácio da Silva.

A menos que até lá o governo, mais precisamente o presidente Luiz Inácio da Silva, dê alguma resposta - afirmativa ou negativa - à proposta apresentada pelos sindicatos da categoria, das companhias aéreas e dos aeronautas ao grupo de trabalho interministerial que examina medidas para superar a crise no tráfego aéreo.

Os sindicatos têm uma posição conjunta: propõem um sistema de controle compartilhado entre civis e militares, a criação de carreiras de Estado específicas para controladores, que, no caso dos militares, passariam a integrar o quadro de oficiais e não mais o de sargentos, e o repasse de dinheiro do Orçamento da União aos fundos aeronáutico e aeroviário em proporção superior à de hoje.

A arrecadação das taxas pagas pelos passageiros e pelas empresas à Infraero somou neste ano R$ 1,1 bilhão, enquanto a dotação orçamentária para o setor ficou em R$ 400 milhões.

Na terça-feira da semana passada, os sindicatos levaram sua proposta ao grupo de trabalho e, na quinta, esperavam dos ministérios envolvidos uma resposta. Diante da informação de que o ministro da Defesa, Waldir Pires, não havia falado com o presidente a respeito e, portanto, não tinha nenhuma posição, retiraram-se da reunião.

Consideraram que, sem uma manifestação do presidente, não há como nem por que prosseguir com a discussão. Um novo encontro estaria inicialmente marcado para hoje, quando se espera que a Presidência da República diga o que pensa: se aceita o sistema compartilhado, se prefere torná-lo totalmente civil ou se deixa o controle do tráfego aéreo nas mãos dos militares.

Caso aceite o compartilhamento, as companhias, os aeronautas e os controladores sugerem a realização de uma auditoria para dimensionar a participação das aviações comercial e de defesa para, a partir desse quadro, estabelecer a divisão de tarefas e de responsabilidades.

Mas se não houver resposta alguma, as entidades não voltarão à mesa de negociações.

A decisão - nunca assumida abertamente - de retomar com força total a operação-padrão no dia da posse confirma que os atrasos, inclusive nos dias mais críticos, não guardam relação com circunstâncias adversas, como falta eventual de pessoal ou panes em equipamentos: trata-se realmente de um instrumento de pressão que, desta vez, pode ser usado diretamente contra o governo, embora seus efeitos recaiam sobre os passageiros.

Os controladores não usarão do estratagema às vésperas do Natal porque já perceberam que, quando o transtorno é exclusivo dos usuários, o poder público não dá ao assunto o tratamento de crise.

A aposta seria, portanto, na possibilidade de haver uma mudança de atitude se o prejuízo se refletir em transtornos para o governo num dia crucial.

Não há receio de punições, simplesmente porque não há a admissão de que esteja sendo executada uma operação-padrão. O que os controladores fazem é apenas aplicar as normas de segurança com rigor máximo.

O aquartelamento dos militares já se provou ineficaz, pois diante da mesa de controle o poder está com eles. Pelo mesmo motivo, não se temem demissões.

Para os dias 31 e 1º é previsto o mesmo de outras ocasiões: o espaçamento de 10 minutos entre cada pouso e decolagem. Para ter uma idéia do que isso significa em termos de atraso, aeroportos como o de Brasília, com duas pistas, comportam 46 pousos e decolagens por hora. Com intervalos de 10 minutos entre cada uma, haveria apenas 6 operações no período de 60 minutos, uma defasagem de 40 vôos.

Um poder de pressão considerável que se estende, por omissão disfarçadamente consentida, às companhias e aos aeronautas.

Até agora foi isso o que o governo conseguiu com sua inépcia na gestão do problema: um acordo tácito de ação conjunta entre setores cujos interesses se tornaram circunstancialmente compatíveis.

Da onça

No frigir de todos os ovos, o presidente da Câmara, Aldo Rebelo, assumiu todo o desgaste do aumento dos subsídios dos deputados e senadores, mas, na reunião que aprovou o reajuste de 90,7% na semana passada, foi um dos menos contundentes, chegou a advogar em favor do limite à reposição da inflação.

O presidente do Senado, Renan Calheiros, incentivou com veemência seus pares a aprovar, desafiando os contrários a devolver o dinheiro, acusando-os de demagogos e atribuindo as críticas à hipocrisia da imprensa.

A maioria esmagadora concordou com ele. Mas, no dia seguinte, diante da repercussão negativa, encolheram-se todos, deixando para Aldo Rebelo a desmoralização solitária.

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