Entrevista:O Estado inteligente

segunda-feira, dezembro 11, 2006

Dora Kramer - A insustentável leveza da lei

O Estado de S. Paulo
10/12/2006

Algumas reações à decisão do Supremo Tribunal Federal de declarar inconstitucionais as limitações impostas ao funcionamento de partidos sem representatividade eleitoral correspondente às exigências da legislação foram equivocadas ao atribuir o retrocesso à responsabilidade da Justiça.

Os 11 ministros do STF apenas examinaram o que diz a Constituição e, sob essa ótica, obedeceram à letra da garantia de condições de igualdade aos partidos, mas principalmente aos eleitores.

O sistema eleitoral é falho, mas até a instituição de outro mais perfeito, deve-se obediência a ele. Se o eleitor vota em determinado partido ou pessoa, o faz no pressuposto de que a legenda e o parlamentar terão as mesmas prerrogativas asseguradas aos demais.

Não existe diferença entre o eleitor do partido nanico, mas bem intencionado, o eleitor da legenda de aluguel ou aquele que vota em partidos grandes, bem estruturados, mas que vivem de alugar suas posições aos poderosos de plantão.

Não há, na Constituição, nada que distinga o pequeno partido dos partidos que apequenam a política. Portanto, a tese que sustentou a decisão da Corte, que existe para dirimir dúvidas constitucionais, é irretocável.

Há a tentação de fazer analogia com a derrubada da obrigatoriedade de as alianças partidárias regionais para eleições seguirem as coalizões nacionais, a verticalização. Ali foi diferente, pois a Justiça Eleitoral, e não o Supremo, voltou atrás numa interpretação da regra mediante pressão dos partidos que, estes sim, não conseguem obedecer a nenhuma lei que contrarie seus interesses ocasionais.

A Justiça não age por iniciativa própria. A decisão de revogar a chamada cláusula de barreira, que vincula funções legislativas, acesso ao fundo partidário e participação no horário gratuito ao desempenho eleitoral de cada um, foi tomada por provocação de um grupo de partidos que se sentiram contrariados em seus interesses.

Se não houvesse a ação de inconstitucionalidade, não haveria decisão e a Justiça não teria se imiscuído no assunto. O quadro partidário estaria, a partir de 2007, na prática reduzido paulatinamente a 7 dos 29 partidos existentes. Dos restantes 22 seria cortado o oxigênio até a extinção por perda de função.

Esse era o objetivo da legislação, aprovada de forma imperfeita, num acerto entre os grandes partidos e sem levar em conta as sutilezas e nuances da democracia. Houve a decisão de fazê-la entrar em vigor de maneira gradativa, a fim de facilitar a sua aprovação.

Mas o tempo passou, chegou o momento de a cláusula de barreira ser implementada em sua plenitude e aqueles que apostaram talvez na hipótese nada remota de a lei não "pegar" foram surpreendidos com o fato de terem aprovado uma legislação contrária a princípios constitucionais.

Ficou posta a falsa impressão de que a Justiça se envolveu onde não era chamada quando, na realidade, só se envolveu porque foi chamada. Trata-se, então, de um problema para o Congresso resolver consigo mesmo.

O STF não violentou, como alegam as grandes legendas, assim sem mais nem menos o desejo do Poder Legislativo. Foi o Poder Legislativo que criou uma regra na intenção de organizar o sistema partidário com base em raciocínios simplificados e ignorando as variantes em jogo.

É por causa desse jeito atabalhoado, simplista e de certa forma autoritário de encaminhar as soluções que determinadas leis quando postas em prática entram em choque com a realidade e se pensa logo em revogá-las.

Neste aspecto, sim, há semelhanças com o caso da verticalização. Os partidos têm caráter nacional e, sendo assim, como interpretou o Tribunal Superior Eleitoral em 2002, é evidente que não poderiam fazer alianças díspares nos âmbitos nacional e regional.

No lugar de alterar o princípio original, por suposição de que a verticalização poderia servir ao interesse da ocasião para este ou aquele partido, o Congresso preferiu dar por extinta a norma que, em determinado momento, atrapalhava os planos da maioria.

É assim que se trata também o tema da reeleição. Aprovada a emenda em 1997, para atender à majoritária base de apoio de Fernando Henrique Cardoso, perceberam-se depois as imperfeições da norma, sendo a principal delas a permissão de o candidato à reeleição permanecer no cargo.

A pressa de aprovar a emenda e "ganhar" o jogo imediato fez seus autores provarem do próprio veneno quando foi alterada a correlação de forças do poder. O que fazem, então? Organizam-se para revogar a lei sob o argumento de que o Brasil não está preparado para ela.

Mais correto seria dizer que seus patrocinadores não se prepararam a contento para instituir uma mudança daquela envergadura, limitaram-se a impor sua força goela abaixo da minoria e o tempo, senhor da razão, apresentou a conta.

Quanto à cláusula de desempenho, a necessidade de algo do gênero é óbvia. Alguns partidos se propõem a ressuscitá-la, mas convém que o façam com discernimento e precisão à altura de uma lei feita para durar.

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