Entrevista:O Estado inteligente

segunda-feira, dezembro 18, 2006

Celso Ming - Areia movediça



O Estado de S. Paulo
16/12/2006

Ben Bernanke, presidente do banco central americano (o Federal Reserve, Fed), fez ontem declarações fortemente polêmicas sobre política cambial.

Dentro da programação desenvolvida pela missão de altíssimo nível dos Estados Unidos na China, denunciou a política cambial chinesa por manter desvalorizado o yuan e, nessas condições, praticar um “subsídio efetivo”, que provoca distorções na economia.

Entre as distorções mencionadas por Bernanke estão a canalização de mais produção para exportação do que para o consumo interno e a necessidade de emitir títulos públicos para esterilizar o excesso de moeda provocado pelo aumento das reservas.

No pronunciamento, Bernanke teve o cuidado de retirar a expressão “subsídio efetivo”, que, no entanto, permaneceu intacta no texto divulgado pelo site do Fed (ver www.federalreserve.gov). Qualquer subsídio é, em princípio, considerado prática desleal de comércio exterior na medida em que distorce as condições de competitividade entre parceiros. Como tal, pode estar também sujeito a retaliações, desde que previstas nos tratados.

Na medida em que confere ao câmbio chinês qualidade de subsídio, Bernanke agasalha pressões enormes de empresários, líderes sindicais e políticos que acusam a China de alijar deslealmente o produto americano do mercado global.

No comunicado oficial que ontem pôs um fecho à missão, os chineses se comprometeram a flexibilizar o câmbio. Mas o secretário do Tesouro dos Estados Unidos, Henry Paulson, foi suficientemente claro quando explicitou “divergências em relação ao cronograma das reformas”. Quer dizer, os chineses, concordaram com a liberação do câmbio, mas não assumiram nenhum compromisso com cumprimento de prazos.

A fala de Bernanke percorre um campo de areia movediça. Se a advertência de Bernanke fosse levada às suas últimas conseqüências, qualquer desvalorização de moeda destinada a dar competitividade às exportações poderia ser considerada subsídio e, como tal, fator inaceitável de proteção comercial. Avançando um passo além, todo regime cambial fora da livre flutuação ficaria sujeito a condenação. Isso contraria o entendimento de que toda política cambial é prerrogativa soberana de cada país.

Coincidentemente, nos artigos publicados nos jornais dos Estados Unidos que refletem a indignação de empresários e lobistas diante da forte entrada de produtos chineses, aparece cada vez mais freqüentemente a reivindicação de que o governo americano use sua musculatura junto à Organização Mundial do Comércio para que toda forma de manipulação do câmbio com objetivo de empurrar exportações seja considerada prática reprovável de comércio e, nessas condições, passível de punição.

No limite, ficariam sob suspeita até mesmo políticas de intervenção no câmbio, ainda que não consigam o objetivo de desvalorizar a moeda.

É o caso brasileiro. A partir de informações do Banco Central, pode-se aferir que entre o início de janeiro de 2003 e o final de outubro passado, a intervenção no câmbio alcançou US$ 184 bilhões. O Tesouro comprou US$ 33 bilhões em moeda estrangeira; o Banco Central, US$ 58 bilhões; e a redução da dívida cambial correspondeu a outros US$ 93 bilhões. Pergunta: esses US$ 184 bilhões podem ser considerados subsídios às exportações?

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