Entrevista:O Estado inteligente

segunda-feira, dezembro 04, 2006

Celso Ming - PIB a 8,5%. Na Argentina

Celso Ming - PIB a 8,5%. Na Argentina


O Estado de S. Paulo
3/12/2006

Ao contrário do que acontece por aqui, a Argentina está bombando crescimento econômico. Deverá emplacar 8,5% neste ano, acumulando 45,4% nos últimos quatro anos. Qual a receita deles que não aplicamos aqui?

O professor Dante Sica, um dos mais conhecidos analistas da economia argentina, explica que esse desempenho está apoiado no aumento do consumo interno e no uso da capacidade ociosa.

No seu primeiro ano de governo, o presidente Kirchner distribuiu generosos reajustes nos salários e nas aposentadorias que tinham sido achatados pela crise anterior. Foi uma injeção de vitamina no mercado interno então prostrado pela crise. A indústria, por sua vez, pôde crescer sem investimento adicional porque a produção havia despencado 14,8% durante os anos negros.

Ao mesmo tempo, o governo bloqueou reajustes de preços na mesma proporção da inflação, providenciou forte desvalorização do peso e, para impedir que os exportadores ganhassem demais, impôs um confisco sobre exportações. Equivale a 5% sobre os industrializados (inclusive veículos), a 20% sobre as principais commodities agrícolas (carne, soja, milho e trigo) e de 35% a 40% no caso do petróleo e derivados.

Essa política foi aplicada no mesmo momento em que o governo renegociava a dívida, sobre a qual foi imposto unilateralmente um corte superior a 70%. O mercado financeiro engoliu o calote como inevitável. "Mas o custo para a economia argentina foi alto porque o mercado ficou praticamente fechado", reconhece Sica.

Mas o resultado foi importante para a nova decolagem. A forte demanda por commodities agrícolas pelos países asiáticos deu empuxo às exportações, que eram de US$ 29,6 bilhões em 2003 e saltaram 55,4%, para US$ 46 bilhões (a projeção para este ano). O saldo comercial oscila em torno dos US$ 11 bilhões por ano.

Outra novidade é a disparada do investimento (cerca de 22% do PIB), puxado pela construção civil. Cresceu 22,7% no ano passado e 19,6% neste. Ao contrário do que houve na década de 90, quando eram puxados pelo capital estrangeiro, os investimentos argentinos são hoje feitos em maior parte pelo capital privado interno. Mas, observa Sica, o nível de investimento não é suficiente para sustentar o atual crescimento.

Para sustentar o câmbio ao redor dos 3,10 pesos por dólar, o banco central argentino tem comprado cerca de US$ 10 bilhões por ano. As reservas, que há dois anos estavam nos US$ 10 bilhões, deverão fechar este ano algo abaixo dos US$ 28 bilhões. A emissão de moeda que essas operações de compra acarretam (cerca de 31 bilhões de pesos por ano) é uma das razões da forte pressão inflacionária - e aí já estamos falando de um dos principais limitadores do modelo.

O governo opera com dois controles. O primeiro é o já mencionado confisco sobre exportações. Como é obrigado a entregar uma fatia de suas receitas, o exportador tem de vender mais barato para o mercado interno.

O outro controle é exercido sobre preços e salários (incluídas as aposentadorias), por meio de acordos com o setor produtivo e sindicatos. Ainda assim, a inflação é superior a 10% ao ano. Essa política conduz ao represamento dos preços. Sem os controles, a inflação talvez pulasse para 15%.

Esse represamento é melhor notado nos serviços. Em dois anos, as tarifas públicas foram reajustadas em 6,7%. Enquanto isso, os serviços privados (não represados) saltaram 41,3%.

Dante Sica prevê uma crescente liberação dos preços só a partir de 2008, quando acabar o processo sucessório. Mas o principal fator de incerteza, aponta ele, são os riscos de apagão energético. As reservas de petróleo e de gás estão em queda e a oferta de energia elétrica cresce menos do que o consumo. Os investimentos não acontecem porque as tarifas não ajudam. A tarifa industrial de gás é 18% da cobrada no Brasil. O outro risco é a maneira discricionária com que o governo se mete nos negócios e subverte as regras do jogo, observa Sica. Apesar disso, aposta num avanço do PIB de 7,5% em 2007.

Mas não dá para aplicar a receita deles aqui. Imagine o deus-nos-acuda se o governo impusesse um confisco sobre todas as exportações.

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