Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, dezembro 06, 2006

Celso Ming - O pacote e os velhinhos




O Estado de S. Paulo
6/12/2006

O ministro da Fazenda, Guido Mantega (foto), está determinado a mudar sua tática de venda do pacote econômico ao presidente Lula. Mas, nessa operação, expõe a economia a mais riscos.

Convocado há três semanas ao Palácio do Planalto para apresentar um plano salvador de investimentos, Mantega pôs toda ênfase na prudência fiscal e foi despachado de volta. Lula pediu mais ousadia e menos retranca. Mantega agora prepara um pacote que prevê investimentos públicos de R$ 60 bilhões em quatro anos e só a título de apêndice é que vai advertir o presidente de que essa ousadia só poderá ser levada adiante se for preservada a austeridade fiscal.

Falta saber duas coisas: (1) se, dessa forma, o pacote não acabará sendo desembrulhado sem os devidos cuidados fiscais; e (2) se o governo derrubará as travas ao crescimento de responsabilidade sua, ou seja, se criará condições para concessões rápidas de licenças ambientais; para mais eficácia da Justiça em dirimir conflitos entre concessionários; e para garantir maior racionalidade nas decisões do Tribunal de Contas da União.

Parte do pacote prevê a liberação de R$ 6 bilhões em financiamentos habitacionais. O governo espera que os bancos entrem no negócio para que os investimentos possam ser "alavancados" para R$ 15 bilhões.

Um dos resultados esperados com o reforço dos investimentos em construção civil é o de que a demanda por materiais não se transforme em importações, que é o que aconteceria se os incentivos contemplassem outros setores da economia. Assim, a indústria nacional seria beneficiada.

O fator de dúvida é o de que este será o 12º pacote do governo Lula para o setor habitacional. O anterior foi editado em setembro. Nenhum deles conseguiu destravar o setor e sempre foi preciso mais. Para merecer melhor credibilidade, este terá de ser muito especial.

Preocupantes são as notícias de que o governo não quer atacar o rombo da Previdência Social - a maior encrenca federal. Talvez aceite aumentar a exigência da idade mínima (aposentadoria só aos 65 anos, por exemplo), desde que a novidade não obrigue quem esteja para se aposentar a esperar por mais uns dez anos.

O presidente Lula avançou um passo quando, há duas semanas, entendeu que a maior parte do déficit da Previdência não é propriamente da Previdência, mas do Tesouro. Se tivesse ouvido o professor Raul Velloso, um dos especialistas em Finanças Públicas, teria chegado a essa conclusão há pelo menos cinco anos. Mas não basta separar em caixinhas diferentes os buracos financeiros com aposentadoria.

Lula já mencionou que pelo menos 7 milhões entre os atuais 25 milhões de aposentados não contribuíram para a Previdência. Foi o Congresso que aprovou a Lei Orgânica da Assistência Social (Loas) em 1993 e agasalhou como aposentados os velhinhos que, em sua vida ativa, trabalharam na roça e hoje não têm com que sobreviver. Ganham como aposentados o equivalente a um salário mínimo (R$ 350) por mês.

Só essa gente provoca rombo de R$ 31,8 bilhões por ano na Previdência, que é nada menos que 75,7% do rombo total, que vai ser de R$ 42 bilhões em 2006.

"Isso é assistência social e não Previdência. Esse pedaço do déficit é do Tesouro e não do Regime Geral da Previdência Social", observa o presidente. Em outras palavras, Lula parece querer dar tratamento diferenciado a cada déficit. Assim, o déficit da Previdência fica menor e não teria de passar por uma reforma sangrenta que custasse redução da idade mínima para aposentadoria, outras formas de encurtamento do benefício e aumento da contribuição. E ficaria evitado sério problema político.

Mas seria preciso resolver o outro rombo, a ser assumido pelo Tesouro. Como esses beneficiários ganham o mínimo, cada reajuste do salário mínimo implica aumento das despesas com essa assistência social.

Raul Velloso também tinha chegado aí. Mas, ao contrário do presidente, avançou sobre o tratamento a dar para essa assistência social. Para ele, não há nenhuma obrigação de que essas pseudo-aposentadorias sejam contempladas com reajustes do salário mínimo acima da inflação. Ou, puxando para um certo grau de crueldade, quando o Tesouro estivesse em situação complicada, essas mensalidades distribuídas como assistência social não passariam do que o Tesouro pudesse pagar, como acontece com os funcionários públicos.

Pergunta final: o pacote do ministro Mantega chegará a esse desfecho de maneira a garantir sua qualidade fiscal?

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