Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, dezembro 14, 2006

Brasil, o país bonzinho


Editorial
O Estado de S. Paulo
14/12/2006

O governo brasileiro continua disposto a promover - e a bancar, em grande medida - o aumento da exportação das economias em desenvolvimento, assumindo responsabilidades que outros emergentes, como China e África do Sul, não desejam partilhar. O Itamaraty anunciou no fim de novembro um plano de isenção unilateral para produtos de 50 países pobres, incluído Bangladesh, um exportador de têxteis. Mas o Brasil está envolvido também numa negociação de concessões entre economias em desenvolvimento. Na segunda-feira, cerca de 40 governos concordaram em realizar, com base numa proposta brasileira, um esforço para concluir um acordo em 2007.
Países da Ásia serão os principais beneficiários, com ganhos de até US$ 8,8 bilhões. A América Latina poderá ter um aumento de até US$ 2,4 bilhões nas vendas, segundo cálculos de economistas da ONU.
China e África do Sul não aderiram a essas negociações, que poderão ser concluídas antes da Rodada Doha, da qual participam 150 países desenvolvidos e em desenvolvimento.
A Rodada Sul-Sul não pode compensar, obviamente, o fracasso ou mesmo um novo atraso da Rodada Doha, que envolve tanto os pequenos quanto os grandes mercados. Numa negociação restrita a cerca de 40 economias em desenvolvimento, o Brasil se converte num dos alvos mais visados pelos parceiros emergentes. Nessa negociação, o Brasil e os parceiros do Mercosul propõem um corte de 30% nas tarifas. A Malásia, agressiva no comércio, defende uma redução de 50%. A Índia, mais protecionista, propõe uma diminuição de apenas 15%.
Os ganhos do Brasil, num acordo como esse, tendem a ser modestos. O País, além disso, já assumirá riscos apreciáveis, se levar adiante a intenção de conceder benefícios unilaterais aos 50 parceiros mais pobres. Entre estes, alguns poderão transformar-se em plataformas comerciais para economias maiores, como a da China, que exerce uma influência crescente na África e noutras áreas pobres.


Asiáticos serão os beneficiários principais de um acordo Sul-Sul

Enquanto se dispõe a conceder benefícios a parceiros em desenvolvimento, o Brasil tenta evitar a perda de vantagens comerciais no mundo rico. O Congresso americano acaba de votar, com modificações, a prorrogação do Sistema Geral de Preferências (SGP). Esse mecanismo, criado para facilitar o acesso aos mercados do mundo rico, envolve a concessão de vantagens unilaterais por economias desenvolvidas.
A manutenção dessas vantagens depende dos interesses políticos e econômicos desses países e é usada como instrumento de pressão para defesa, por exemplo, da propriedade intelectual. Com a renovação do SGP pelo Congresso americano, o Brasil continuará a desfrutar da maior parte das concessões, mas suas exportações de autopeças, no valor de US$ 250 milhões, poderão ser tributadas a partir de 1º de julho de 2007.
De modo geral, os esforços de empresários e diplomatas brasileiros para manutenção das preferências concedidas pelos Estados Unidos deram resultado. A perda de benefícios, que ainda vai depender de uma decisão do Executivo, poderá ficar limitada àqueles produtos. As vendas brasileiras favorecidas pelo SGP americano alcançaram US$ 3,8 bilhões anuais, segundo os últimos dados.
As negociações foram difíceis e a boa vontade americana teve um custo elevado no caso de um produto já sujeito a proteção: o Congresso dos Estados Unidos decidiu prorrogar até janeiro de 2009 o imposto de importação sobre o etanol.
Brasília vinha batalhando para abrir o mercado americano à exportação de álcool combustível.
Depois de anunciar a intenção de abrir o mercado nacional a produtos de 50 países pobres, o Itamaraty rejeitou o rótulo de "SGP brasileiro", alegando que o mecanismo será menos restritivo que aquele adotado pelo mundo rico. Em outras palavras: o sistema brasileiro será mais generoso - como será generosa, certamente, a participação brasileira na Rodada Sul-Sul. Enquanto o Mercosul se atola no protecionismo interno e no conflito entre Argentina e Uruguai - expressiva ilustração do fracasso da integração sul-americana -, o governo brasileiro mantém a ilusão de liderar uma grande articulação do mundo em desenvolvimento e se dispõe a pagar por isso.

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