Ex-aliado de Sérgio Cabral, o casal Garotinho
boicota quanto pode o novo governador do Rio
Ronaldo Soares
Montagem com fotos de Marcelo Carnaval/Ag. O Globo e Jamil Bittar/Reuters |
Cabral, Rosinha e Garotinho (na montagem fotográfica, refletido no tampo da mesa) |
Faz parte da tradição política brasileira a transição beligerante entre governos, em geral pontuada por arapucas deixadas para a administração seguinte. No caso do Rio de Janeiro, essa prática foi elevada à condição de arte. Nos anos 80, Moreira Franco queixou-se de que Leonel Brizola lhe passou o cargo com o banco estadual – o Banerj, então uma ferramenta essencial para a saúde financeira do estado – sob intervenção federal. Mais recentemente, Anthony Garotinho se afastou do governo para tentar a Presidência da República e foi acusado por sua sucessora, Benedita da Silva, de deixar para ela um abacaxi de 1 bilhão de reais em déficit nas contas estaduais. Agora, um novo capítulo nessa crônica de desavenças está sendo escrito no estado, desta vez com um ingrediente a mais. A briga se dá entre aliados políticos: o futuro ocupante do Palácio Guanabara, Sérgio Cabral Filho, e o casal que dominou a política local nos últimos oito anos, Anthony e Rosinha Garotinho.
A cizânia começou na campanha eleitoral e atingiu seu ponto mais crítico na semana passada, quando o grupo de Cabral deparou com uma série de cascas de banana que Rosinha preparava para seu sucessor. A principal delas foi um pacote de medidas que a governadora enviou à Assembléia Legislativa. Se aprovadas, farão um estrago nas finanças do novo governo. Uma das propostas consiste em utilizar créditos de um fundo voltado para o desenvolvimento econômico para quitar dívidas do estado. Outra medida propõe lançar no mercado títulos públicos lastreados em royalties do petróleo, antecipando a receita proveniente dessa fonte de arrecadação. Juntas, as medidas comprometeriam receitas futuras em mais de 1 bilhão de reais, pelas contas do grupo de Cabral. Sem falar que Rosinha também convocou 430 concursados aprovados em 2002 para a companhia de água e esgoto (Cedae), o que vai onerar ainda mais a folha de pagamento. Diante de tantas arapucas, o futuro governador se prepara para o pior. "Os primeiros seis meses serão muito duros", diz.
A relação entre os aliados começou a se deteriorar quando Cabral anunciou a composição de sua equipe. O grupo de Garotinho contava com indicações para algumas secretarias, entre elas a da Fazenda e a de Educação, além de continuar controlando autarquias, como a Cedae. No entanto, viu seu espaço no futuro governo reduzido ao Detran. Para piorar, Cabral convidou para seu secretariado inimigos políticos de Garotinho, como Benedita da Silva (Ação Social) e Joaquim Levy (Fazenda). Benedita foi indicada pelo presidente Lula, por quem Garotinho vem nutrindo ódio político crescente. Já Levy, ex-secretário do Tesouro Nacional, virou persona non grata na atual administração por sua postura tida como inflexível com o governo Rosinha.
Na quinta-feira passada, Cabral reuniu-se com Garotinho e Rosinha – o que não acontecia desde o início de novembro. Após o encontro, ambos os lados esboçaram um entendimento, mas foi apenas jogo de cena. O impasse continua. Independentemente do grupo que levar a melhor nessa contenda, espera-se que a conta não sobre para o contribuinte.