Perversão na ópera
Fascinado por meninos, Benjamin Britten
foi o Michael Jackson da composição erudita
Sérgio Martins
Luludi/Ag. Luz |
Cena da ópera Albert Herring, que será encenada em São Paulo: herói casto |
Benjamin Britten (1913-1976) foi o Michael Jackson da música erudita. Sob esse prisma, a ópera Albert Herring, escrita em 1947, poderá ser vista a partir do próximo sábado em São Paulo, numa montagem do Centro de Estudos Tom Jobim. É a segunda vez que uma ópera do maior compositor inglês de todos os tempos é produzida no Brasil. A montagem anterior aconteceu em 1967. Nesse período de quarenta anos, diversos estudos lançaram luz sobre um aspecto perturbador da biografia de Britten: o seu fascínio por meninos. O uso da voz de garotos é marca registrada na música desse autor. Mas ele também viveu cercado de adolescentes e dedicou a muitos deles uma amizade intensa. "Eu ainda tenho 13 anos", disse Britten certa vez, tentando explicar não apenas a presença constante de um séquito infantil ao seu redor, mas aspectos técnicos de suas composições. A infância e a inocência o obcecavam. Mas ele não as respeitou.
Dois livros sobre a sexualidade de Britten foram lançados nos últimos meses. Um deles é uma coletânea de ensaios eruditos. O outro é uma biografia assinada pelo inglês John Bridcut, que já havia produzido um documentário sobre o compositor. Britten's Children (As Crianças de Britten) mapeia os muitos relacionamentos que o inglês manteve com meninos. Entre os garotos, ele tanto podia ser um companheiro de jogos, que entretinha com piadas e passeios de carro, quanto uma espécie de figura paterna. O livro sugere que Britten lutou para manter seu envolvimento afetivo com crianças apartado de sua vida sexual, mas nem sempre conseguiu. O ator David Hemmings, que mais tarde se tornaria protagonista do filme Blow Up, de Michelangelo Antonioni, contou que na infância, quando foi protegido de Britten, dormiu abraçado a ele diversas vezes "sem que nada acontecesse". Um depoimento colhido por Bridcut fala explicitamente de abuso sexual. O compositor tocou o pênis de um de seus alunos enquanto ele dormia. O menino o repeliu e nunca mais voltou a cantar – ou sequer a pisar numa sala de concertos.
Britten foi um compositor engenhoso. Conquistou seu espaço no panteão moderno – e não apenas como representante da Inglaterra ("uma terra sem música", nas palavras do alemão Johannes Brahms). Suas obras principais são óperas como Peter Grimes e A Volta do Parafuso, na qual é explícita a idéia do adulto que seduz um menino. Albert Herring é um trabalho cômico, menor, baseado numa história do escritor francês Guy de Maupassant (1850-1893). Fala de um aldeão que se vê alçado à condição de "rei da primavera" porque manteve a virgindade enquanto todas as moças de seu lugarejo a perdiam. Quando estreou, em 1947, Albert Herring teve o amante de Britten, Peter Pears, no papel principal. Mas havia também meninos cantores na representação. Um deles teria servido de inspiração a Britten durante o período de criação. Chamava-se David Spenser e tinha 13 anos – a "idade mágica" para o compositor.