Em Por Água Abaixo, um ratinho de luxo
cai no esgoto – e a equipe líder da animação
inglesa aprende a se virar em Hollywood
Isabela Boscov
Roddy e Rita caem nos braços de dois valentões: menos sutil, porém mais ágil que os desenhos em massinha da Aardman |
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Até pouco tempo atrás, os desenhos animados compunham um segmento especial da produção cinematográfica americana. Hoje, são um de seus carros-chefes, líderes quase absolutos não apenas nas vendas de DVDs, sustentadas pela criançada que não se cansa de rever o mesmo filme, como também na bilheteria. Entre as dez maiores rendas deste ano, três (Carros, A Era do Gelo 2 e Os Sem-Floresta) são animações – com uma quarta, Happy Feet, caminhando a passos rápidos para se incluir na lista. Como não poderia deixar de ser, esse novo status comercial tem um impacto sobre os aspectos artísticos da animação. Ele pode ser sentido de forma palpável em Por Água Abaixo (Flushed Away, Estados Unidos/ Inglaterra, 2006), que estréia nesta sexta-feira no país. A nova produção do ateliê inglês Aardman é protagonizada por Roddy St. James (no original, com a excelente voz de Hugh Jackman), um ratinho de bons modos e gostos luxuosos que mora numa gaiola dourada. Roddy não conhece nada do mundo e por isso deixa, tolamente, que um ratão das ruas usurpe seu lar e o despache, via vaso sanitário, para os esgotos londrinos. Ele vive momentos de terror. Às vezes sem motivo (como diante das inofensivas lesmas que moram nos canais subterrâneos), outras vezes com razão – esta, propiciada pelo megalomaníaco Sapo (Ian McKellen), que trama planos genocidas para os ratos da cidade. Não fosse a despachada Rita (Kate Winslet), Roddy estaria perdido.
O que há de curioso em Por Água Abaixo é que se trata de um desenho feito em computação gráfica – o primeiro em que a produtora Aardman, de A Fuga das Galinhas e Wallace & Gromit, aceita usar a ferramenta hoje já aplicada por dez entre dez animações de sucesso. A técnica com que Nick Park, fundador do ateliê, impôs sua excelência é a animação em massinha, que requer até cinco anos de trabalho árduo para que se produzam os cerca de 100.000 fotogramas necessários a um longa-metragem. É o tipo de investimento, em tempo e mão-de-obra, que faz um produtor pensar duas vezes. Jeffrey Katzenberg, da DreamWorks, a parceira da Aardman, o fez – e, em vista da bilheteria decepcionante de Wallace & Gromit, decidiu reduzir os riscos, colocando os artistas ingleses sob a direção de uma dupla americana.
O resultado é uma interessante solução de compromisso, que perpassa não só o enredo – o qual coloca o ordeiro Roddy num ambiente caótico e ultracompetitivo, mais ou menos como Hollywood deve parecer para o time da Aardman – como também o visual. Sem os bonecos de massinha pacientemente operados por Park, muito da sutileza vai-se embora. Por outro lado, o ritmo se torna mais ágil e o humor, não tão estritamente britânico. No entender de Nick Park, Por Água Abaixo é uma concessão ao mercantilismo. Bom seria se todos soubessem se curvar com essa elegância e artesania de que a Aardman é capaz.