Editorial |
O Estado de S. Paulo |
18/12/2006 |
A diplomacia pessoal, conduzida diretamente pelo presidente da República em contato com outros chefes de Estado e governo, pode ser um poderoso e útil instrumento de política externa. Mas, para que isso aconteça, é preciso que ela tenha uma linha muito bem definida em torno dos princípios e valores nacionais e dos interesses concretos do país. Quando a diplomacia presidencial reflete, em primeiro plano, apenas os interesses ou as idiossincrasias do chefe de governo ou as do grupo que o aconselha, o resultado é quase sempre desastroso. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva reunia as melhores condições para fazer uma eficiente diplomacia pessoal. A sua trajetória, de imigrante nordestino a presidente de um país que figura entre as 15 maiores economias do mundo, dava-lhe prestígio e credenciais para realçar, de forma positiva, a presença do Brasil democrático no mundo. Mas, após quatro anos, o que se tem é uma política externa amarrada a conceitos ultrapassados. São resquícios de velhos preconceitos e de fórmulas que remetem ao confrontacionismo entre blocos, típico da guerra fria, que não se justificam no mundo globalizado. Essa política externa atende apenas à peculiar visão de mundo do presidente Lula e de seus auxiliares próximos, tão preocupados em fazer uma política independente dos grandes centros de poder, os Estados Unidos e a Europa Ocidental, que se colocaram sob a dependência - essa, sim, real e perniciosa para os interesses nacionais, ao contrário da outra dependência, meramente imaginada - de países e interesses menores. Assim, o presidente Lula faz exageradas reverências e se sujeita às humilhações impostas pelo coronel Hugo Chávez - o autoproclamado sucessor de Fidel Castro como paladino na luta contra o imperialismo americano. Assiste, impassível, à intromissão de Chávez nos assuntos internos dos países vizinhos e não considera essas interferências um fator de desestabilização da região. Submete os interesses industriais e comerciais do Brasil às vontades do presidente Néstor Kirchner, que sabe que pode obter de Brasília as vantagens que bem entender, porque o presidente Lula acha que sua obrigação é ajudar a recuperação econômica da Argentina, ainda que à custa da indústria brasileira. E manda a Petrobrás aceitar as condições leoninas impostas por Evo Morales, porque não cabe ao Brasil criar qualquer obstáculo à “refundação” da Bolívia, ameaçada agora de secessão. Na semana passada, o desejo de não desagradar aos países africanos e de não dar a impressão de que está alinhada com as potências européias levou a diplomacia brasileira a assumir, na reunião de emergência da Comissão de Direitos Humanos da ONU que examinava a questão de Darfur, uma posição que envergonha o País. O Brasil recusou-se a apoiar uma resolução apresentada pelos países europeus condenando o governo do Sudão pelas atrocidades e autorizando o envio de técnicos para avaliar a situação e propor soluções. Segundo a delegação brasileira, não está na hora de “apontar culpados” pelo massacre de mais de 300 mil pessoas. Por fim, para escândalo da opinião pública do mundo civilizado, aprovou-se, com o apoio do Brasil, Cuba, China e países africanos e contra o voto dos europeus, uma resolução “de consenso” - nem por isso menos imoral - que preserva as autoridades sudanesas, envia ao país cinco especialistas, mas estabelece que o resultado da missão só será anunciado em março. Ora, o que se passa no Sudão é de uma clareza meridiana. Na região de Darfur, no oeste do país, repete-se o ocorrido há anos na região sul, onde 2 milhões de pessoas foram mortas, na maioria cristãs e animistas. Tropas do governo e milícias muçulmanas massacram sistematicamente a população. Em Darfur, mais de 300 mil pessoas perderam a vida em conseqüência do conflito. E o governo brasileiro, que corteja os países africanos em busca de reciprocidade - que, no caso, deve se traduzir por negócios com petróleo e açúcar, como promete o agradecido governo sudanês -, apóia na Comissão de Direitos Humanos o governo responsável por esse massacre e, não contente, concita a comunidade internacional a fortalecer o Sudão para lidar com a crise. Com isso, o governo brasileiro não se afastou apenas dos países ocidentais. Apartou-se da decência. |
Entrevista:O Estado inteligente
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segunda-feira, dezembro 18, 2006
Diplomacia pessoal
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