Em deboche natalino, parlamentares se
dão aumento salarial de 91% – e fecham
a atual legislatura com gazua de ouro
Diego Escosteguy
Os parlamentares que encerram seu mandato no próximo mês ficaram famosos por produzir escândalos no lugar de leis. Do mensalão aos sanguessugas, do mensalinho de Severino Cavalcanti à CPI vendida por um deputado, a atual legislatura entrou para a história como a mais corrupta e desqualificada da era democrática. Na semana passada, contudo, deputados e senadores conseguiram adicionar um novo feito à sua infindável lista de iniqüidades. Em clima de zombaria, decidiram aumentar os próprios salários em 91%. Assim, com a força de uma canetada, seus vencimentos saltam de 12.847 para 24.500 reais. De agora em diante, o salário dos parlamentares ficará atrelado ao dos ministros do STF, o mais alto do funcionalismo público. Só no Congresso, o aumento custará 170 milhões de reais aos contribuintes. Mas, como o salário dos congressistas é usado como referência para calcular a remuneração dos mais de 50 000 deputados estaduais e vereadores em atividade no país, o efeito cascata pode gerar despesa extra de perto de 2 bilhões de reais.
O novo salário dos parlamentares é um acinte sob qualquer ângulo que se analise a questão. Num seletíssimo grupo de nações ricas, apenas nos Estados Unidos um parlamentar ganha mais que seus colegas brasileiros. São 28.000 reais lá, contra os 24.500 reais aqui. Mas, quando se leva em conta a realidade da economia, os parlamentares brasileiros dão um banho planetário – com eles, ninguém pode. Enquanto um deputado dos Estados Unidos ganha mensalmente o equivalente a 27% do PIB per capita do seu país, o deputado brasileiro vai embolsar mais de 300%. Um negócio da China, que não existe nem na China. O novo salário é um escândalo também dentro da própria realidade brasileira – e, nela, dentro da política. Os deputados e senadores ganharão mais do que o presidente e governadores dos estados mais ricos do país (veja quadro). "Não defendo a equiparação com o Legislativo porque me parece que para nós, ministros, seria excessivo ter um salário dessa magnitude, embora eu gostaria muito de receber esse salário", diz o ministro da Fazenda, Guido Mantega.
Apesar de terem equiparado seu salário ao dos ministros do STF, um deputado ou senador custa quase duas vezes mais aos cofres públicos. O truque está no festival de benesses que recebem. Além dos vencimentos, um deputado tem direito a auxílio-moradia (3.000 reais por mês) e verbas extras para abastecer o carro e pagar a conta do restaurante (15.000 reais por mês). Isso sem falar nos dois salários extras no fim do ano, o 14º e o 15º. Feitas as contas, cada deputado colocará no bolso 42.500 reais por mês. Tão escandalosa quanto o aumento foi a explicação arranjada pelas cúpulas da Câmara e do Senado para o conchavo que selaram com 26 parlamentares (veja foto de cada um deles abaixo). "A fixação desse subsídio implica e exige cortes de gastos na Câmara e no Senado para ficar dentro dos nossos orçamentos", garantiu o presidente da Câmara, Aldo Rebelo. "Ou seja, não haverá aumento de despesa." Os "cortes de gastos" ocorrerão especialmente nos planos de construção de novos prédios anexos ao Congresso. Ou seja: os parlamentares decidiram colocar no próprio bolso o dinheiro que seria investido em uma obra pública. Pode-se acusá-los de tudo. Menos de falta de coerência com o ideário da atual legislatura.
Quadro: Os pais do presentão