Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, setembro 20, 2006

'Vou dar duas fardas para cada um de vocês'

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Eduardo Nunomura
O Estado de S. Paulo
20/9/2006

No documentário "Entreatos", Lula aparece à vontade ao lado de Freud

Primeiro surge a voz, que sugere alguém que priva da intimidade de Lula: "Ah vai, vai ser bem diferente." Segundos depois, o então presidenciável do PT se aproxima de seu interlocutor, caneca vermelha na mão direita, guardanapo na esquerda. O petista sorri. E brinca: "Vou dar duas fardas para cada um de vocês." Então aparece ele, Freud Godoy. Está à vontade, tomando um café e comendo um lanche. Continua a conversa com o candidato: "Né, goiabeira, goiabeira de Fidel." Lula o corrige: "Guayabera (a tradicional camisa de mangas curtas usada pelos cubanos)!"

A cena está bem no comecinho de Entreatos, o documentário de João Moreira Salles, filmado de 25 de setembro a 27 de outubro de 2002. Milhares viram o filme, que só saiu em DVD numa edição limitada. Uma pena. Nele, pode-se ver e rever Luiz Inácio Lula da Silva rodeado por personagens antes íntimos dele e hoje afastados de seu convívio. Entre tantos, Freud Godoy, o assessor especial que caiu há dois dias sob a acusação de ser o responsável pela compra do dossiê contra os tucanos José Serra e Geraldo Alckmin.

Em 2002, Freud era um faz-tudo de campanha. Segurança particular, freqüentava os comitês, comícios e eventos políticos. No documentário, ele aparece três vezes. A segunda é mais rápida. Está na porta da presidência do Sindicato dos Metalúrgicos de Osasco e pede para que a equipe de Moreira Salles entre na sala. Ele diz: "Tem um companheiro aqui que está fazendo um documentário para nós."

A câmara de Moreira Salles acompanha o petista entre os eventos, nos camarins, hotéis e jatinhos. Registra momentos descontraídos dos bastidores de campanha. Lula quase sempre está acompanhado de nomes conhecidos dos últimos escândalos: José Dirceu, Antonio Palocci, Delúbio Soares, Silvio Pereira. Tem até o publicitário Duda Mendonça oferecendo sua "fazenda a 150 quilômetros de Salvador" para os amigos de Lula descansarem.

E o hoje presidente parecia já antever um pouco de seu futuro: "Tô começando a ficar preocupado com o que vai mudar na minha vida a partir de uma eleição. A perda de uma liberdade." Tem também o ex-ministro José Dirceu falando de vídeos de campanha, quando estranha a presença dos documentaristas numa reunião: "Eles são de confiança... Mas não existe confiança absoluta, porque a fita de Lula sobre Pelotas acabou na mão do nosso inimigo." Gilberto Carvalho, então coordenador da agenda de campanha, garante a segurança das filmagens. "Vai nessa, vai nessa. Se soubesse onde estou, se soubesse o que tenho de outras campanhas, você não falaria isso. Gilberto Carvalho, pára com isso."

O filme termina no dia da eleição de Lula, no segundo turno. O seleto grupo de amigos e parentes está reunido no Hotel Sofitel, em São Paulo. Marisa Letícia e os filhos também estão presentes. Pouco depois das 17 horas, ouve-se o resultado da pesquisa de boca-de-urna. Comemoração geral. Freud Godoy aparece de novo. Está no celular, enquanto Lula recebe muitos abraços e cumprimentos. O assessor sai de cena. O filme termina segundos depois.

Moreira Salles tem 248 horas gravadas da campanha. É o material bruto, aquilo que não virou filme. Já prometeu torná-las públicas para pesquisa quando os personagens já tiverem saído de cena. Imagina que seja daqui a 15, 20 anos. Pode ser que não leve esse tempo todo.

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