O GLOBO
A interrupção da Rodada de Doha trouxe o temor de que não houvesse alternativa, no momento, para o Brasil no comércio internacional. A reunião do Rio embalou uma breve esperança de entendimento, mas especialistas dizem que a melhor saída hoje para o país é mesmo intensificar acordos com as Américas. Além disso, investir em acordos bilaterais.
A Alca morreu, o Mercosul agoniza, mas o mundo não pára. O Brasil não pode correr atrás de quimeras em comércio internacional.
Por isso, deveria continuar fazendo a sua parte por Doha, mas sem ficar sempre amarrado no G-20. E não deve perder o foco: é nas Américas que existem maiores chances para o nosso comércio.
Dois especialistas em comércio exterior, Christian Lohbauer, da USP, e Marcos Jank, do Icone, concordam em apontar o continente como a área de maiores possibilidades para o comércio brasileiro. Mesmo que a Alca jamais volte a ser negociada no formato original, algum tipo de acordo regional tem que ser buscado.
— Uma solução seria a integração das Américas.
Na época em que estava se pensando a Alca, houve mais de 500 reuniões entre 1994 e 2003 para discutir o assunto. Foi feito um grande esforço para unir países das Américas, que acabou fracassando. Seria bom retomar o que for possível, tentando acabar com a divisão que existe hoje — afirmou Marcos Jank.
Christian Lohbauer também tem essa visão.
— Hoje, 70% da exportação de manufaturados do Brasil vão para as Américas.
Mas, no caso do frango, o país, que detém 40% do mercado mundial, não exporta para vários países sul-americanos, enquanto os Estados Unidos, que são o maior concorrente do Brasil em frangos, exportam para o México e acabaram de fechar um acordo com a Colômbia. Nós, no nosso quintal, não vendemos frango para a Colômbia.
É nas Américas que a coisa deve acontecer. Os EUA hoje importam US$ 1,5 trilhão. De 94 a 2006, o Brasil aumentou sua exportação para lá de US$ 12 bilhões para US$ 27 bilhões; já a China, aumentou de US$ 8 bilhões para US$ 150 bilhões — diz.
O frango é hoje o quinto produto mais importante na exportação, ele é vendido para 146 países ao redor do mundo inteiro. Semana passada, o produto estava, de novo, lutando contra barreiras na Europa.
— Para fugir de uma enorme tarifa, mais sobretaxa ao produto in natura, o Brasil passou a salgar o frango e, assim, pagar tarifa de apenas 15%. Quando perceberam, os europeus levantaram a taxa para 75%. O Brasil lutou dois anos na OMC para provar que era ilegal o que tinha acontecido. Eles fingiram respeitar a decisão da OMC, mas, depois, recorreram ao artigo 28, que diz que qualquer país pode aplicar qualquer tarifa desde que haja compensações para os outros países. Subiram a barreira não apenas para o produto salgado, mas também para o industrializado, que antes não tinha problemas e cujas exportações vinham crescendo 20% ao ano — conta Lohbauer.
Ou seja, o mundo do comércio internacional, às vezes, parece uma guerra de guerrilhas. Por isso, a luta tem que ser constante e a arma mais poderosa é mesmo o acordo entre os países que abra os mercados. A Alca hoje já faz parte do passado, o Mercosul fica mais complicado a cada dia. Por um lado, Uruguai e Paraguai estão fazendo acordos diretamente com os Estados Unidos; além disso, Argentina e Venezuela são parceiros um tanto quanto imprevisíveis para se contar. Nesse cenário, uma outra saída para o Brasil, além de tentar estabelecer alianças mais sólidas nas Américas, seria buscar acordos bilaterais. Hoje existem 350 acordos bilaterais. O México, por exemplo, fechou vários acordos. O comércio exterior hoje funciona como uma “tigela de espaguete”, no jargão dos especialistas; está todo entrelaçado por acordos comerciais, e o Brasil, por enquanto, continua pouco presente nessa massa.
— Temos um problema que é uma pauta altamente protegida mundo afora, porque é composta de produtos agrícolas. Hoje o caminho é partir para acordos bilaterais. O Chile tem acordos fantásticos; assim como todos os países da Ásia — comenta Marcos Jank.
A reunião do último fim de semana, acreditam os especialistas, não teve resultados práticos, mas foi boa porque quem veio mostrou que quer o acordo: — Acho que houve uma sinalização política fundamental: o G-20, o Japão manifestaram interesse em reiniciar as negociações quando muita gente falou que as crises teriam sido profundas.
Mas tudo que emperrou na reunião de julho continua emperrado — diz Jank.
Os Estados Unidos estão como o vilão do emperramento de Doha, porque estão exigindo uma abertura muito forte da Europa. Coisa, aliás, que, se funcionasse, seria boa para o Brasil. A Europa será sempre a principal culpada, pois, em matéria de agricultura, é a mais fechada. O Brasil organizou o G-20 num momento em que era preciso dar uma resposta a um acordo entre os grandes em Cancún, mas o fato é que China e Índia querem defender seus mercados agrícolas, e o Brasil quer mais liberdade no comércio internacional nessa área. Os interesses são conflitantes.
Por isso é que Susan Schwab, a representante americana, disse que o Brasil tinha que ser mais ousado. Com a Índia, somos concorrentes em vários produtos. Lohbauer acha que o Brasil deve ter com o G-20 uma relação mutável.
O mundo do comércio internacional é complexo e precisa de várias soluções. A estratégia que realmente não funciona é ver o tema pelo ângulo ideológico, como se fosse a luta de países ricos contra pobres. Até porque o Brasil é um país de renda média e, na questão agrícola, fala como potência.
Entrevista:O Estado inteligente
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