Entrevista:O Estado inteligente

domingo, setembro 17, 2006

JOÃO UBALDO RIBEIRO Não boto fé nessas urnas

O GLOBO

Às vésperas de exercer o estranho direito obrigatório de votar, tenho notado que algumas pessoas com quem converso estão nervosas com estas eleições.

Mas não pelas razões habituais, ou seja, por entusiasmo, vibração, esperança, ou o que lá seja. Isso não vi em ninguém, a não ser nuns poucos que encaram a política como uma espécie de religião de bases imutáveis, com seus deuses e santos incriticáveis e infalíveis.

Esses são de lascar, porque, como com outros fanáticos, não adianta apresentar fatos ou argumentos, pois contra a fé estes não adiantam nada.

Mas mesmo eles ficam na defensiva, preferindo não provocar ataques e seguir o exemplo de Nosso Guia, que é não debater nem responder a perguntas inconvenientes ou irrespondíveis.

Para mim e, tenho descoberto, para bem mais gente, reapareceu, com a cara piorada, a desconfiança em relação ao nosso moderníssimo sistema de votação eletrônica, tão moderno que, como já disse aqui, diversos países, inclusive vários do famoso Primeiro Mundo, o estudaram e nem pensaram em adotálo. Os defensores do sistema, notadamente os oficiais, dirão que estou dando palpites de absoluto leigo — e leigo burro, por sinal. Até não me incomodo com nenhum dos dois qualificativos, pois bem posso ser merecedor, mas a verdade é que muita gente capacitada concorda comigo.

Tudo em informática é inseguro.

Claro, nada, em área nenhuma, é absolutamente seguro, mas a informática é um terreno onde tudo se passa vertiginosamente. Lembro-me quando os bancos se consideravam à prova de fraudes eletrônicas e eu mesmo fui tungado através de um banco cujos funcionários me torciam o nariz, me dizendo como o comandante do Titanic que os seus sistemas eram à prova de invasão. Não adiantava argumentar que, se entram até em sistemas como o do Pentágono, entrariam num tamborete brasileiro com um pé nas costas, como já aconteceu.

Nosso sistema, em primeiro lugar, não é inviolável nem à prova de erros, muitíssimo pelo contrário. Segundo me informam, as urnas podem perfeitamente ser invadidas sem necessidade de remoção do lacre. A alteração de uma ou duas linhas num programa de milhões e milhões de linhas pode gerar a eleição ou não-eleição de muitos candidatos. O anonimato, que dizem ser garantido, de fato não é. Em rigor, pode-se dizer (os técnicos do governo vão comentar que eu sou mais leigo burro ainda do que eles pensavam, mas é verdade) que, ao menos tecnicamente, o voto secreto acabou.

O rol de males que um sistema vulnerável, inverificável e, se não danoso ou perigoso como creio, é pelo menos objeto de controvérsia entre especialistas, não pode deixar de causar apreensão. E os que não estão comprometidos com, digamos, o esquema, de modo geral desaprovam o sistema.

Ou seja, mesmo que o sistema fosse tudo de perfeito que se diz dele, a mera controvérsia técnica traz perigos adicionais, agora, por exemplo, que assistimos ao problema do México, o qual, ao contrário de nós, ainda pode conferir os votos.

E quem pode fraudar as urnas eletrônicas? Ah, neste nosso Brasil varonil onde a bandidagem medra em ritmo febril, imagino (sim, sou paranóico — cartas de protesto ao editor, por caridade) poder haver já quadrilhas montadas em vários estados importantes, não inspiradas por motivos ideológicos ou partidários, mas por grana mesmo, como costuma ser o caso aqui, para prestar serviços tipo “converta dez por cento dos votos nulos ou em branco para você”. As urnas podem, na verdade, ser fraudadas por qualquer um que tenha qualificação, notadamente alguém com acesso, direto ou indireto, a algum ponto do sistema.

Sim, eu sei, por ética e honestidade, ninguém faria esse tipo de coisa — só tem feito muito ultimamente porque é uma espécie de fase passageira, como esses vírus de sete dias. Já foram publicadas diversas suspeitas quanto ao funcionamento das urnas e nada foi explicado satisfatoriamente.

Somente pensar se, por acaso, a eleição presidencial, contrariando as pesquisas até agora, for a segundo turno, não tenho dúvida de que, a depender das circunstâncias, a questão das urnas pode aparecer logo, começando pelo fato de que as pesquisas se terão revelado extraordinariamente erradas.

“Pesquisa não vale nada”, dirá o vencedor.

“As urnas foram fraudadas”, dirá o perdedor. A depender das circunstâncias, como já disse, a questão das urnas pode logo centralizar a discussão e multiplicar acusações de lado a lado.

E, vamos pensar só por hipótese, pois afinal tudo é possível nesta vida, que a decisão seja mesmo no segundo turno e apertada. Em toda parte do mundo, inclusive nos Estados Unidos, a solução é apelar para a recontagem, mas aqui ela ou é impossível ou não significa realmente uma recontagem, mas uma reprodução em disquete de algo que já está lá da forma fraudada. A depender de quem vença e quem o esteja apoiando, notadamente fora da esfera governamental, o povo pode sair às ruas, para mostrar que está verdadeiramente ao lado do vencido e que o resultado se terá devido às urnas eletrônicas.

Quanto ao vencedor, dirá que nada merece mais confiança que as urnas e que o vencido quer reverter a escolha popular, claramente expressa, através do sistema mais moderno. “Golpe”, dirá um lado. “Golpe”, dirá o outro.

Tenho mais material comigo, mas acho que todo mundo considera essas minhas preocupações mais uma das muitas esquisitices que nunca cometi mas que me deixaram famoso pela — digamos bondosamente — excentricidade.

Ninguém, a não ser os quatro ou cinco gatos-pingados em que me incluo, dá a menor importância.

Bom, pensando melhor, talvez tenham razão. Não parece haver lá muito interesse no que dirão as urnas, como se todos soubessem que o que vem aí é a lesma lerda, que a gente encara como sempre encarou.

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