A cobrança em cima de Paulo Betti talvez tenha sido excessiva, e ele
tem o direito de se defender como pode, depois de ter dito uma frase
de que certamente se arrependeu. Mas também não dá para passar em
branco o artigo que ele escreveu para a seção Tendências/Debates
desta terça-feira. Em alguns momentos, a confiança de Paulo Betti na
falta de senso crítico do leitor vai longe demais.
Betti diz que sua trajetória, e a do "maestro Wagner Tiso", são
conhecidas. Aqueles que o atacam sabem que ele está associado não
apenas ao PT, mas "à memorável batalha de Betinho 'Pela Ética na
Política'", e sabem que "constatar as transgressões como inevitáveis
não é o mesmo que defendê-las."
Acontece que Paulo Betti não estava apenas "constatando as
transgressões como inevitáveis". Saía de um encontro de apoio a quem
as cometeu. Quando disse "não se faz política sem sujar as mãos", não
estava lamentando o fato, mas justificando que Lula as sujasse
também. A menção às batalhas de Betinho fica ridiculamente deslocada.
Não faria nenhum sentido participar do memorável movimento Pela Ética
na Política" e ao mesmo tempo apoiar um candidato que confessadamente
fez uso do caixa 2.
De resto, essa versão de que tudo foi apenas um caso de caixa 2 vai
sendo martelada pelo PT, desde que Marcio Thomaz Bastos a formulou
pela primeira vez. O problema do mensalão não se resume a "um sistema
de financiamento privado de campanhas" que contamina todos os
políticos. Quando o Partido dos Trabalhadores consegue empréstimos
milionários, tendo como avalistas José Genoino e o dono de uma
empresa de publicidade, e quando essa empresa de publicidade tem
contratos com o governo, é de favorecimento público a uma pessoa
privada, que repassa dinheiro a um partido, que se está falando. Se o
sr. Marcos Valério fizesse doações por baixo do pano à campanha de
Lula, seria de estranhar, mas seria apenas um indesejável
acontecimento de caixa 2. Mas se o sr. Marcos Valério tem contratos
de publicidade com o governo, está-se usando o governo para financiar
o PT. Mais que isso: se um banco de segunda ou terceira linha
empresta dinheiro ao PT, e consegue ser o primeiro a se beneficiar
oficialmente de um sistema que não contempla os outros bancos
(passando a ser o único, durante meses, que concede empréstimos a
trabalhadores mediante desconto direto em folha de pagamento), o caso
não é de caixa 2: oferecem-se milhões a um partido, sabendo que
dificilmente serão pagos, em troca de um privilégio concedido pelo
governo.
Que os outros partidos, ao receberem dinheiro de caixa 2, promovam
favorecimento público a seus doadores, é mais que provável. O PT, que
se comprometia com "uma outra forma de fazer política", e que
promovia movimentos e mais movimentos pela ética na política, não
tinha o direito de fazê-lo. Muito bem; "o PT caiu nesse antigo
alçapão", diz Paulo Betti. Ele poderia então estar liderando um
movimento pela ética na política, ou ao menos pela ética no PT.
Preferiu apoiar Lula, sugerindo que "política é assim mesmo" --logo,
estamos todos nesse alçapão, e não sei, de minha parte, por que
chamar de "erro", como ele e todo o PT gostam de dizer, uma coisa
absolutamente inevitável. Se era inevitável, qual seria o "acerto"?
De que "erro" eles se penitenciam?
Na exploração da frase, diz Betti, há "um misto de autoritarismo com
oportunismo político". O autoritarismo estaria em "desqualificar os
que não se alinham com o pensamento dominante". Paulo Betti não foi
desqualificado por ninguém. Ele desqualificou a própria trajetória,
que era a de um defensor da ética na política e agora considera que,
para chegar ao poder, o recurso a financiamentos irregulares é
necessário: "enquanto fez campanhas vendendo bonés e estrelinhas",
diz, "o PT não teve chances de chegar ao poder".
Seus adversários são também "oportunistas", porque a onda de ataques
em torno de sua frase "explora a minha condição de artista, e as
identidades que isso acarreta, para auferir dividendos eleitorais".
Seria bom avisar o Lula disso: quem sabe assim ele não convidaria
mais artistas para apoiar sua campanha.