Entrevista:O Estado inteligente

domingo, setembro 03, 2006

Mailson da Nóbrega Lições da abertura chinesa

O ESTADO DE S.PAULOS

Quando a abertura chinesa começou, em 1978, com as reformas de Deng Xiao Ping, a corrente de comércio externo (exportações e exportações) era de US$ 21 bilhões. Em 2004, passou de US$ 1 trilhão.

A China já possui o segundo maior Produto Interno Bruto (PIB) - pelo método da paridade do poder de compra de sua moeda - e o terceiro comércio exterior do planeta.

A taxa de câmbio subvalorizada exerceu papel importante na expansão das exportações, mas a explicação para o sucesso não é tão simples.

O êxito chinês deriva de um conjunto de causas, às quais a revista Foreign Affairs dedicou parte de sua edição de setembro/outubro de 2005.

A China abraçou a globalização, em vez de se afastar dela, e elegeu os Estados Unidos como principal destino de seus produtos. No Brasil, resiste-se a abrir mais a economia e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva se vangloriou de ter torpedeado a Alca (Associação de Livre Comércio das Américas).

A crise da Ásia (1997) pôs em cheque a estratégia chinesa, mas, em vez de recorrer ao protecionismo, como o Brasil na crise mexicana de 1994, a China dobrou a aposta. Decidiu entrar na OMC (Organização Mundial do Comércio) e aprofundar as reformas econômicas.

Os chineses entenderam que os americanos manterão por muitos anos a liderança em economia, educação, cultura, ciência e tecnologia.

Assim, o melhor seria juntar-se a eles e não tentar sobrepujá-los ou desconsiderar sua importância. A essa postura realista correspondeu o interesse americano na importação de produtos manufaturados baratos e na cooperação da China em assuntos como terrorismo e não-proliferação nuclear.

Lee Branstetter e Nicholas Lardy analisaram os efeitos da acolhida entusiasmada da China à globalização (NBER, Working Paper 12.373, julho de 2006), mostrando que a abertura já era elevada antes do seu ingresso na OMC. A estratégia de comércio e investimento estrangeiro seguiu a teoria das vantagens comparativas, o que beneficiou a China e seus parceiros.

A economia chinesa é a mais aberta entre os países em desenvolvimento. Em 2005, sua tarifa nominal de importações alcançou 8,9%. Segundo Branstetter e Lardy, Argentina, Brasil, Índia e Indonésia adotavam tarifas de 30,9%, 27%, 32,4% e 36,9%, respectivamente.

A idéia de que o salto chinês deriva de políticas industriais que teriam tornado a China exportadora de produtos de alto valor agregado e invalidado a lei de vantagens comparativas é desmentida pelos fatos.

Em 2003, a China exportou para os Estados Unidos mais de 31 milhões de aparelhos de DVD, 7,5 milhões de notebooks e 20 milhões de telefones celulares ao custo unitário de US$ 80, US$ 550 e menos de US$ 100, respectivamente. Dados o elevado volume e o baixo custo, esses produtos são, na verdade, commodities.

A razão por que a China exporta grandes quantidades de produtos eletrônicos de consumo, de informática e de telecomunicações está na importação da maioria das partes e componentes de alto valor agregado que os integram. O valor agregado doméstico desses produtos responde por apenas 15% das suas exportações. A abertura transformou a China em grande montadora.

Outras políticas públicas - educação, pesquisa e infra-estrutura - podem permitir o verdadeiro salto tecnológico da China, mas o seu êxito recente está mais associado à abertura comercial e ao pragmatismo de seus dirigentes do que ao dirigismo na economia.

A estratégia de desenvolvimento da China não adota, portanto, o padrão imaginado por certas correntes de opinião no Brasil, que rotulariam de neoliberal a decisão chinesa de abraçar a globalização, abrir cada vez mais a economia e focalizar as exportações nos Estados Unidos, cujo superávit a seu favor é de mais de US$ 200 bilhões.

Querem um exemplo mais? A China investe na criação de uma marca mundial de automóveis. Para tanto, a estatal produtora de veículos, a Saic, contratou um executivo da General Motors para comandar a sua área internacional. Uma estatal brasileira recrutaria um americano para tão importante posição?

Há muitas lições a extrair da China. A principal delas é a de que não dá para imitá-la apenas no câmbio. Seria preciso, por exemplo, ter uma Previdência Social que gaste menos de 2% do PIB (13% do PIB no Brasil), o que permite uma carga tributária inferior a 20% do PIB (38% do PIB no Brasil) e taxas de poupança superior a 40% do PIB (pouco mais de 20% do PIB no Brasil).

A taxa cambial subvalorizada deriva de inúmeros fatores ausentes no Brasil e não de mera vontade política das autoridades, como muitos pensam por aqui.


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