Entrevista:O Estado inteligente

sábado, setembro 02, 2006

Gesner Oliveira: E depois das eleições?

Folha de S.Paulo -

Preocupam as quedas de investimento e exportações, componentes que deveriam puxar o crescimento do PIB

O BRASIL da propaganda eleitoral é uma ilha da fantasia. Tudo vai às mil maravilhas. Mas os dados do IBGE mostram uma realidade diferente.
No segundo trimestre, o PIB (Produto Interno Bruto, que mede a produção total de bens e serviços) cresceu apenas 0,5%. Isso equivale a ritmo anual de expansão de cerca de 2%, o menor entre as economias emergentes. China, Índia e África do Sul cresceram 11,3%, 9,3% e 3,6%, respectivamente, no mesmo período.
O problema não é só o resultado agregado, mas sua composição. Preocupam, em particular, as quedas de 2,2% do investimento e 5,1% das exportações. Esses dois componentes deveriam representar os motores do crescimento, mas estão sendo desestimulados.
Seria precipitado tirar conclusões a partir de um trimestre apenas. Mas os números do IBGE representam uma luz amarela. Um eleitor ingênuo procuraria soluções nos programas de governo dos partidos. Infelizmente tais documentos contêm muitos desejos e poucas propostas. O plano de governo do candidato à reeleição divulgado nesta semana é exemplar. Enquanto isso, um sem-número de problemas continua sem resposta.
Há seis riscos principais. Os dois primeiros estão no plano externo. O primeiro está associado a uma queda súbita de preços no mercado imobiliário dos EUA. Isso causaria forte redução na riqueza e conseqüente retração na principal economia do planeta. Apesar da expansão continuada de outras regiões (como a China), tal fenômeno teria forte efeito multiplicador sobre o resto do mundo. O segundo risco está ligado a agravamento ainda maior das tensões geopolíticas, em particular no Oriente Médio.
A ocorrência de um desses cenários comprometeria a atual bonança externa. É verdade que embora tais riscos sejam reais, não há muito que o Brasil possa fazer e ainda há razões para apostar em um ambiente externo favorável. Mas o país precisa estar preparado para tais eventualidades. Não é o caso de suspender o serviço de bordo. Mas convém deixar ligado o sinal de atar os cintos.
Os outros quatro riscos estão no plano interno. O primeiro reside na crise do agronegócio. Esse segmento tem sido a galinha de ovos de ouro da recuperação das contas externas. Cerca de 91% dos US$ 45 bilhões do saldo comercial projetado para 2006 são representados pelo resultado externo superavitário do agronegócio. Nos últimos três anos o saldo do agronegócio nunca representou menos do que 86% do saldo comercial global. Se não houver condições de rentabilidade nesse segmento, tal efeito positivo desaparecerá.
O segundo risco está associado à piora ainda maior na qualidade do ajuste fiscal. O Estado brasileiro já gasta em excesso em despesas correntes e quase nada em investimento. Quando o programa do candidato que lidera as pesquisas silencia a respeito de corte e racionalização de gastos há razões para apreensão. Especialmente quando se fala em recuperação do salário mínimo sem levar em conta seus efeitos sobre as despesas da Previdência.
O terceiro risco decorre do fato de que a combinação de gastos elevados e mal alocados não permite antever aumento de investimento público. Nem tampouco espaço para a redução da taxa de juros, já submetida a viés conservador do Banco Central. Daí a previsão de continuidade de apreciação da taxa de câmbio e desestímulo para o investimento, especialmente em capacidade exportadora. Tal situação de real valorizado não reflete uma economia nacional fortalecida. Resulta apenas de uma combinação perversa de políticas monetária e fiscal em prejuízo do investimento e a favor do consumo.
Por último, persiste o fantasma de novo apagão. Não somente em energia elétrica como em 2001, mas em vários dos serviços básicos de um país com uma infra-estrutura em frangalhos. E no qual as agências reguladoras vêm sendo enfraquecidas em prol do aparelhamento político-burocrático. 2006 tem sido um ano calmo relativamente aos quatro anos eleitorais anteriores. Mas, se a retórica eleitoral não ceder lugar a uma agenda substantiva, a calmaria será seguida de fortes tempestades. 

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