O Estado de S. Paulo |
19/9/2006 |
A simples suspeita de que um assessor do presidente da República possa estar envolvido numa operação de compra e venda de informações para uso político-eleitoral é caso de tamanha gravidade que não convém a ninguém - nem mesmo à oposição - tirar conclusões precipitadas a respeito. O episódio agora é diferente daquele em que um assessor direto da Casa Civil (Waldomiro Diniz) foi flagrado em ato de extorsão porque ainda falta a prova da participação do assessor no crime e a própria ilegalidade ainda carece de esclarecimento mais preciso. Por ora, a gravidade reside na suspeita de o partido do governo ter armado uma trama de dossiês, no fato de não ser a primeira vez que o PT protagoniza episódios infratores e na hipótese de que haja mais gente próxima ao presidente da República credenciada a integrar a organização criminosa já denunciada pelo procurador-geral da República e alvo de processo no Supremo Tribunal Federal. A despeito do histórico pouco recomendável, todo cuidado é muito pouco, inclusive para não inocentar a priori, só por conta do atropelo, quem porventura venha mesmo a ter culpa nesse escabroso cartório de produção de dossiês que há uns bons anos entrou no cenário da luta política e tem na imprensa um parceiro nem sempre movido por intenções jornalísticas. Recapitulando: dois homens presos com R$ 1,75 milhão em moeda sonante dizem à polícia que usariam o dinheiro para comprar um dossiê de denúncias mostrando o envolvimento do candidato do PSDB ao governo de São Paulo, o ex-ministro da Saúde José Serra, com a máfia das ambulâncias. O dossiê, segundo eles, seria vendido pela família Vedoin - cabeça da máfia -, e o dinheiro da compra viria de duas fontes: o PT e um veículo de comunicação (não disseram qual), ambos interessados na publicação do material. Os dois homens informam que haviam sido encarregados de "avaliar" os documentos e apontam um indivíduo de nome "Freud" ou "Froude" como o operador da tarefa. Repórteres do Estado cruzam informações, confirmam dados, checam CPFs e descobrem que existe um Freud Godoy lotado do gabinete do secretário particular do presidente da República, dono de uma empresa de segurança, como haviam dito os detidos. Ato contínuo, Freud pede licença, alegando inocência. Afirma que se afasta para não prejudicar o presidente e facilitar as investigações. Confirma ter encontrado quatro vezes com um dos homens presos pela Polícia Federal. Três dias antes, quando a notícia do dossiê ainda não havia assumido o caráter de armação, era apenas a acusação contra o partido adversário do presidente, no governo houve dois tipos de reação: o presidente Luiz Inácio da Silva, em geral refratário a explicações públicas, chama a imprensa para repudiar o dossiê e o escalão inferior, na figura do controlador-geral da União, confere crédito às acusações. Jorge Hage aponta a existência de "documentos" - não diz quais nem onde estão - que sustentam as denúncias. O controlador vai além e, como que a acentuar o quadro para que se entenda bem o espírito da coisa, diz que José Serra e Humberto Costa, ex-ministro da Saúde já indiciado em inquérito da PF, estão na mesma situação. Enquanto isso, a Polícia Federal prende com o espalhafato (no bom sentido, até) habitual os que puseram à venda o dossiê, mas age muito discretamente em relação à prisão dos intermediários da compra do documento. Nada de fotos dos personagens ou do dinheiro. Argumenta-se que a praxe é essa, o que a prática das celebradas operações da PF desmente. O cenário ainda é confuso e as informações incipientes para se concluir qualquer coisa, mesmo em face só das aparências. Mas há coincidências demais em relação a episódios recentes (dinheiro de origem não explicada, ação de órgãos oficiais, movimentação de petistas pelo perigoso terreno da ilegalidade, justificativas antecipadas e comparações ensaiadas - como a do ministro Tarso Genro a dizer que o dossiê e as denúncias do mensalão são a mesma coisa, tudo fruto do "denuncismo"), há ainda muito mais além de aviões de carreira no ar para que se possa ter certeza de que o governo brasileiro desta vez, por ação ou omissão, nada tem a ver com o uso de métodos espúrios na luta em defesa da preservação do poder. O alvo À primeira vista o Planalto não teria razão para participar de nenhum plano de desmoralização dos tucanos, dada a folgada preferência do presidente Lula nas pesquisas. À segunda vista, porém, nota-se que José Serra já reivindicou, se eleito governador de São Paulo, o posto de principal e implacável opositor de Lula em provável novo mandato do presidente. Grampos Qual a razão para grampear telefones dos ministros do Tribunal Superior Eleitoral? Para captar conversas, frases ou palavras que possam vir a ser usadas - dentro ou fora de contexto - sob a forma de dossiês. Aqui, as suspeitas recaem sobre quaisquer candidatos. |
Entrevista:O Estado inteligente
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terça-feira, setembro 19, 2006
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