A "organização criminosa sofisticada" , como a definiu o procurador-geral Antonio Fernando de Souza, tantas fez que acabou derrapando no terreno da galhofa. A mais recente bandalheira da quadrilha, composta por bandidos do PT e de facções aliadas, envolve alguém chamado Freud. Freud Godoy, esse é o nome da peça pinçada no coração do poder. No momento, tem mais a explicar que o xará austríaco.
O Freud tropical pousou no noticiário político-policial no fim de semana, a bordo do dossiê forjado por mafiosos sanguessugas e delinqüentes petistas - e concebido para prejudicar os candidatos José Serra e Geraldo Alckmin, além do ex-ministro da Saúde Barjas Negri. Mas a figurinha é carimbada há tempos para quem freqüenta os melhores (e piores) salões da república petista.
Chefe do esquema de segurança do candidato Lula em quatro campanhas presidenciais, deve ter feito bonito no posto. Tanto assim que se instalou no mais cobiçado gabinete do Brasil. Desde 2003, Freud Godoy acumula o cargo de assessor da Secretaria-Geral da Presidência com o emprego informal de faz-tudo da primeira-dama Marisa Letícia.
Premiado com a sinecura pelo companheiro-chefe, poderia estar percorrendo com discrição o atalho da prosperidade, pavimentado pela lucrativa agência de segurança da mulher. Mas um Freud não é de resistir a sonhos complicados, certo? Provas, pistas e evidências reunidas pela Polícia Federal informam que o sonho da vez era ampliar o sorriso do patrão com as urnas de São Paulo.
O projeto pareceu-lhe ao alcance de uma bolada quando se aproximou da vertente mato-grossense da grande quadrilha. Começou a fazer água neste fim de inverno, depois que os federais prenderam num hotel da capital paulista a dupla Valdebran Padilha-Gedimar Passos. O companheiro Gedimar é advogado em Cuiabá e trabalha na campanha pela reeleição de Lula. Padilha, engenheiro eletricista e empreiteiro, é um generoso financiador de campanhas do PT em Mato Grosso.
Credor da gratidão dos patrocinados, só não virou diretor financeiro da Eletronorte em julho do ano passado porque o barulho do mensalão desaconselhou a presença desse trem pagador numa estação que movimenta, anualmente, R$ 940 milhões. Agora engaiolado em São Paulo, é improvável que esteja pensando em vôos federais. Deve estar à caça de explicações para a origem da dinheirama - R$ 1,7 milhão, em cédulas de reais e dólares - que a dupla carregava no momento da captura.
Gedimar foi logo abrindo o bico. Jurou que a bolada se destinava a comprar o dossiê forjado pela família Vedoin, pivô do escândalo das ambulâncias. Que a missão lhe fora delegada por Freud. Que o assessor da Presidência também tivera a idéia de transformar o dossiê em reportagem de capa da revista IstoÉ , exibida já na sexta-feira, no programa eleitoral do PMDB quercista-lulista. Por enquanto, Freud desfia desculpas bisonhas para safar-se da enrascada.
"A esperteza, quando é muita, fica grande e come o dono", advertia Tancredo Neves. Os companheiros Ricardo Berzoini, Tarso Genro e Aloizio Mercadante festejavam o ataque a Serra quando a polícia localizou a bandidagem no quarto dos fundos. O trio engrenou a segunda marcha e retomou a discurseira sobre "denuncismo".
Denuncismo coisa nenhuma. A nação exige que, desta vez, tudo seja apurado. Quer saber se há algo consistente contra Serra. Quer saber se Freud Godoy está para Lula como esteve Gregório Fortunato para Getúlio Vargas.