Entrevista:O Estado inteligente

sábado, julho 15, 2006

Vitória e proveito da vitória :CELSO MING

ming@estado.com.br

Afinal, qual foi o principal fator que derrotou os romanos na batalha
de Canas, no ano 216 aC: foi a genialidade do comandante cartaginês
Anibal Barca ou foi o despreparo dos romanos conduzidos pelos
generais Lúcio Emílio Paulo e Caio Terêncio? A História está cheia de
perguntas assim, sem resposta conclusiva.

No Brasil há hoje um derrotado: a inflação, que há 12 anos estava a
mais de 1.000% ao ano, agora vai embicando para abaixo dos 4%. Nessa
trajetória está a ação de mil contra-ataques, que começaram com o
Plano Real ou até antes. Mas vamos nos concentrar nessa malhação
final, dos 7,6% de 2004 para cá. Afinal, qual foi o principal fator
que derrubou a inflação: a política monetária com os juros altos ou a
política cambial que achatou os preços dos produtos importados e, a
partir daí, os preços internos?

O diretor de Política Econômica do Banco Central, o rigoroso Afonso
Bevilaqua, não vacila: "É a política de juros", como já disse (dessa
vez, com gravador ligado) ao jornal Valor. Nesse filme, o câmbio
valorizado não passa de ator coadjuvante, afirma ele.

Como contraponto de peso, temos o ex-ministro Delfim Netto que diz o
contrário: o serviço mais importante no desmanche da inflação foi
feito pelo câmbio.

Bevilaqua parece ter mais razão do que Delfim. Ao final de setembro
de 2005, a cotação do dólar estava a R$ 2,23, não muito mais alta do
que a atual (sexta-feira fechou a R$ 2,213) e, no entanto, desde
setembro, a inflação medida pelo IPCA caiu 33%. Se o dólar tivesse um
papel mais importante na trajetória recente dos preços, nesses 10
meses a inflação não teria murchado tanto.

Mas essa questão está contaminada por uma cisma: a de que o governo
esteja usando o câmbio para produzir lambanças. O candidato da
oposição à Presidência da República, Geraldo Alckmin, tem dito que o
governo Lula está produzindo "farra cambial". E inúmeros dirigentes
da Indústria vêm se queixando de que o governo está criando ambiente
eleitoral favorável à custa do exportador, versão 2006 para o que, em
1994, o PT chamou de "estelionato eleitoral".

Dizer que os juros na lua são os principais responsáveis pela
desvalorização cambial dos últimos quatro anos é lenga-lenga porque
há mais de 30 anos os juros estão acima dos 14% ao ano e, no entanto,
só recentemente o dólar resvalou para abaixo dos R$ 2,30 - apesar da
intervenção de US$ 250 bilhões que Tesouro e Banco Central fizeram no
câmbio, na forma de compra de dólares e conversão de dívida.

Não custa repetir: o principal fator responsável pela valorização do
real é a exuberância das exportações que produziu um superávit
comercial de US$ 44,6 bilhões em 2005, que, se não for repetido neste
ano, ficará perto disso. E é porque a balança comercial está
mostrando toda essa força que os dólares, que normalmente sairiam do
País, continuam aqui dentro e - por que não? - tirando proveito dos
juros no mercado financeiro interno.

Logo depois de derrotar os romanos no norte da Península Itálica, os
exércitos de Anibal permaneceram parados ou se movimentaram em
círculos. Foi quando - conta Tito Lívio - o comandante da cavalaria
cartaginesa chamado Maárbal censurou Anibal por não marchar
imediatamente contra Roma: "Sabes vencer, Anibal, mas não sabes tirar
proveito de tua vitória."

Parecida com esta é a censura que os críticos, especialmente do PT,
fazem à política econômica: Lula não soube tirar proveito das
excelentes condições externas para obter um grande crescimento da
economia - dizem eles.

A administração Lula poderia ter preferido puxar pelo crescimento.
Mas preferiu combater a inflação e controlar a dívida. É mais ou
menos a escolha que um chefe de família pode fazer quando consegue
uma folga na conta bancária: é construir mais um cômodo na casa ou
consertar os encanamentos e a rede elétrica? Lula preferiu consertar
os encanamentos e a rede elétrica.

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