


O peso da inflação já esmagou a renda dos brasileiros. Sob controle, ela agora distribui riqueza
Em março de 1990, a inflação mensal brasileira chegou ao ápice histórico de 82,4%. Naquele ambiente, os salários perdiam 80% de seu valor em um trimestre e 2% em um único dia. Os mais ricos conseguiam proteger seus recursos em aplicações financeiras. Os mais pobres tinham o orçamento esmagado pela perda acelerada do poder de compra da moeda. Esse processo só foi revertido após o Plano Real, quando o elefante da inflação saiu de cena. O país vive hoje, ao contrário, uma situação praticamente inédita de inflação em queda, crescimento em alta e melhora na distribuição de renda. Estima-se que, entre 2003 e 2006, a inflação acumulada será de 29,3% – a se confirmar esse cenário, o mandato do presidente Lula será o de menor inflação da história. Para se ter uma idéia do avanço, bastavam, em março de 1990, apenas treze dias para que os preços subissem à mesma taxa acumulada em quatro anos. O elefante da inflação virou uma formiguinha.
Como isso foi obtido? Num primeiro momento, com a engenhosidade do Real. Depois, com a vigilância permanente do Banco Central, instituição responsável por controlar os preços e a que mais apanhou nesses quase quatro anos de governo Lula. Para os críticos – em sua maioria petistas e empresários acostumados a elevar preços em vez de obter ganhos de produtividade –, a instituição exagerou na dose e manteve os juros em patamares excessivamente elevados, o que impediu o crescimento mais acelerado. Eles se esquecem de que os juros estão aí para combater a inflação. A grande ironia é que, mesmo criticado pelo PT, o BC deverá ser o maior cabo eleitoral de Lula nas eleições, porque ajudou a elevar o poder de compra da população. "Ocorre agora o inverso do que se passou nos anos 80, em que houve aumento da inflação e concentração de renda", analisa Marcelo Neri, da Fundação Getulio Vargas. Ainda que em níveis altos para padrões desenvolvidos, o Brasil tem hoje a menor concentração de renda desde 1976, quando as estatísticas começaram a ser feitas.
Tamanho sucesso exigiria dos especialistas estudos alentados sobre a eficiência da estabilidade como mecanismo de redução da pobreza. Curiosamente, economistas de institutos de pesquisa oficiais e não oficiais têm-se limitado a debater se o Bolsa Família é mais eficiente do que o aumento do salário mínimo na redução da desigualdade. Sobre a inflação, nadinha. Os benefícios sociais, é preciso reconhecer, têm dado um forte impulso eleitoral ao presidente Lula. Mas, se a inflação não estivesse sob controle, seus valores seriam corroídos da noite para o dia. No Brasil, a estabilidade de preços foi ainda mais favorável à população de baixa renda porque sua cesta de consumo é dominada pelos alimentos – justamente os produtos que menos subiram nos últimos anos. "O trabalho do BC foi extremamente positivo. O salário dos mais pobres está crescendo em ritmo maior que o dos mais ricos, o que melhora a distribuição de renda", diz o economista José Márcio Camargo, da PUC Rio. Para Eulina dos Santos, do IBGE, o Brasil já tem uma inflação de país desenvolvido e entrou numa fase de completa desindexação. Até recentemente, uma das maiores dificuldades para derrubar a inflação eram os preços das tarifas como telefonia e energia, cujos reajustes sofriam a influência da alta do dólar. Isso acabou. Neste ano, pela primeira vez desde a privatização, as tarifas da telefonia fixa vão cair.
Segundo o economista indiano Amartya Sen, ganhador do Prêmio Nobel em 1998, a inflação é incompatível com a democracia porque coloca obstáculos à liberdade dos consumidores. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso disse quase a mesma coisa de outra forma. Para FHC, a estabilidade é como o oxigênio que respiramos: só nos damos conta de seus efeitos quando estamos sem ele. É quase um milagre que essa noção tenha se firmado de modo irreversível no país. Celebremos!