Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, julho 12, 2006

Uma última nota sobre futebol Augusto de Franco


Cá pra nós: se tivesse que escolher entre Zidane e Materazzi, ficaria
com o primeiro. Não só pelo futebol, como é óbvio. Mas também pelo
comportamento, que revela o caráter. Não se discute que Zidane errou,
quebrou as regras do futebol, agrediu fisicamente o adversário. Mas
não há regras para coibir o que fez Materazzi, cuja intenção foi
maldosa, tenha ele insultado Zidane chamando-o de "filho de
prostituta argelina" ou "filho de prostituta terrorista" ou tenha
desejado "uma morte horrenda" à família (no dia do jogo final a mãe
de Zidane estava no hospital). Exatamente por isso, porque não há
regras explícitas, estabelecidas de antemão, é que o julgamento que
guia minha preferência pessoal pertence ao campo ético e não jurídico
(do direito futebolístico, materializado nas regras formais).

Materazzi não é um caso isolado. É um elemento de um conjunto. Fez o
que fez empoderado pelo ambiente onde atua. As seleções da França e
da Itália constituem ambientes distintos.

Entre o balet francês e o espírito de corpo (ou de porco) italiano,
fico com o primeiro. Por razões estéticas. Lembro que Marx dizia
(cito de memória) que 'a estética será a ética do futuro.' Mesmo não
sendo marxista reconheço a genialidade do conceito e, com isso,
corroboro a minha reprovação à Itália também por razões éticas.

A Itália (refiro-me ao futebol) é mais ou menos como uma Argentina da
Europa. Retranca, marcação ostensiva (destruição de jogadas) e contra-
ataque: assim se resume toda a sua tática (quer dizer, como ela se
comporta sempre dessa maneira, isso significa que não tem tática, só
estilo). Dizem que esse estilo é mais eficiente. Tenho minhas
dúvidas. Não foi capaz de derrotar a França (essa sim, tinha tática,
além de belo estilo). As penalidades, como sabemos, são uma loteria:
a Itália venceu porque um único jogador francês chutou a bola na
trave, não pelo seu futebol.

A Itália - neste particular ao contrário da Argentina - não quebra as
regras. Faz pouca falta. Reclama em coro com o juiz, tentando apitar
a partida, mas evita melar o jogo. É profissional: quer ganhar por
dentro das regras. Em tudo aquilo que está fora do alcance das
sanções comporta-se, porém, de maneira não-apreciável, seja pelo
futebol rude e sem criatividade, incapaz de despertar nas platéias
culminâncias de embevecimento estético, seja por uma certa obstinação
cega de vencer na base da força, do rompante, da vontade, da garra.
Me faz lembrar também o selecionado feminino cubano do vôlei da
década passada, que queria vencer de qualquer jeito e que tinha uma
jogadora (da qual não lembro agora o nome) que ofendia as adversárias
na rede: para ela tudo não passava de pura guerra. Não era uma
atividade social.

Para quem não acha que futebol é apenas resultado (se fosse só isso,
eu não assitiria nenhuma partida), mas atividade lúdica com alguma
dose de gratuidade (quer dizer, não jogo-de-guerra), dança,
espetáculo, virtude, blink e exaltação do corpo, a vitória da Itália
foi um anti-clímax. Foi a punição da estética. E da ética, se
considerarmos toda a carga anti-humanizante contida nos xingamentos
proferidos por Materazzi.

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