Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, julho 06, 2006

Um sócio perigoso editorial O Estado de S. Paulo

6/7/2006

Já enfraquecido pela crise interna, o Mercosul vinculou seu destino
aos humores e ambições do mais controvertido governante da América
Latina, o presidente venezuelano Hugo Chávez. Ele terá poder de voto
e de veto em todas as negociações internacionais do bloco, ampliado
na terça-feira com o ingresso formal da Venezuela. Essa nova condição
reforça sua influência regional, em parte custeada pela distribuição
de petrodólares.

A crise do Mercosul foi levada a Caracas, local da cerimônia, pelos
presidentes do Paraguai e do Uruguai, descontentes com o
funcionamento do bloco. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva
atribuiu a interesses eleitorais as críticas ao Brasil e à Argentina,
mas prometeu trabalhar para reduzir as assimetrias no Mercosul. Usará
para isso, dentro dos limites legais, dinheiro do BNDES. Mas o
presidente venezuelano tem mostrado maior competência na compra de
lealdades.

A chegada do novo sócio, a Venezuela, foi saudada pelos presidentes
do Mercosul com manifestações de apoio político e também com pedidos.
Os presidentes da Argentina e do Paraguai apresentaram-se com a
devoção de Reis Magos, mas, em vez de oferecer mirra, ouro e incenso,
foram buscar dinheiro para suas dívidas.

Como de costume, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva levou um
presente sem nada pedir em troca. Apoiou em público, pela primeira
vez, a candidatura da Venezuela a um posto rotativo no Conselho de
Segurança das Nações Unidas.

Horas antes da cerimônia de admissão, dois jatos Sukhoi, russos,
voaram sobre a capital do país, Caracas, num ensaio para o
aniversário da independência venezuelana, celebrado ontem. Ao
anunciar, há dias, a compra desses aviões e de outros armamentos,
Chávez declarou-se preparado para repelir uma invasão americana.

Não haverá invasão, disse na terça-feira o embaixador dos Estados
Unidos, William Brownfield, comentando a preparação militar da
Venezuela. Essa declaração não deve fazer diferença para o inventor
da Alba, a Alternativa Bolivariana para os Povos da América, apoiada
até agora pelo presidente boliviano Evo Morales e pelo ditador cubano
Fidel Castro.

Chávez inventou a Alba como reação ao projeto da Alca, a Área de
Livre Comércio das Américas. Esse dado seria desprezível, se o
presidente da Venezuela não fosse agora um dos mandatários do
Mercosul. Qualquer plano de aproximação comercial do bloco sul-
americano com os Estados Unidos terá de passar pelo crivo de suas
ambições políticas.

Chávez entra no Mercosul com a força de quem tem dólares para
distribuir. Anteontem, o presidente da Argentina, Néstor Kirchner,
confirmou estudos conjuntos para o lançamento de um bônus binacional.
Seria um papel da dívida argentina com garantia venezuelana. Chávez
já aplicou cerca de US$ 3 bilhões em títulos argentinos.

Além dos presidentes do Brasil, da Argentina, do Paraguai e do
Uruguai, participou da cerimônia de adesão, como convidado especial,
o boliviano Evo Morales. O presidente venezuelano foi seu aliado e
orientador nos atos de truculência contra a Petrobrás e o Brasil.
Morales havia planejado conversar com Lula sobre o preço do gás
vendido ao Brasil. Lula repeliu a tentativa, deixando a negociação
aos Ministérios e à Petrobrás.

Também o presidente do Paraguai, Nicanor Duarte, se dispõe a depender
do governo venezuelano, tentando vender-lhe títulos para financiar a
dívida relativa à Usina de Itaipu. Chávez prometeu criar uma comissão
para estudar o assunto. O Brasil custeou a construção da usina e os
credores daquela dívida são o Tesouro brasileiro e a Eletrobrás. O
Brasil, disse Lula, não recebeu nenhuma proposta sobre o assunto.

Segundo o diário El Nacional, de Caracas, o presidente Lula tentaria,
com o ingresso da Venezuela no Mercosul, criar condições para
controlar os destemperos de Chávez. "Ninguém vai importar ou vender
ideologia", disse Lula na terça-feira, tentando eliminar os temores
despertados pela figura de Chávez. Mas o presidente venezuelano não
precisa vender ideologia. Basta-lhe comprar lealdades com seus
petrodólares. O mercado, em boa parte da América do Sul, está
propício a negócios desse tipo. Com isso, a influência regional do
presidente brasileiro, já escassa, continuará a minguar.

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