Folha de S. Paulo
12/7/2006
Se existisse na época entidade com poder de veto como o nosso
Conpresp, certamente a torre Eiffel não teria sido construída
RECENTEMENTE PUBLIQUEI neste jornal artigo com o título "A torre do
Masp". Referia-me à proibição, pelo Conpresp, do projeto do Masp de
construir uma torre, com mirante situado a 120 metros acima do nível
da av. Paulista, permitindo uma visão ampla não só da cidade de São
Paulo mas também de toda a área metropolitana. Seria, além de uma
atração turística, solução capaz de viabilizar financeiramente o museu.
O prédio sobre o qual se construiria a torre encontra-se abandonado
há anos, deteriorado e enfeiando a av. Paulista. O projeto foi bem
recebido por arquitetos, entidades e personalidades que enxergam nele
atração que existe em muitas grandes cidades do mundo e confirmam o
interesse das pessoas em sua visitação.
O Masp conseguiu patrocínio privado que lhe permitiu adquirir o
prédio, garantir sua adaptação para uma escola de arte, abrangendo
vários campos de atividade em nível de pós-graduação, área na qual o
país é carente. Tudo sem apelar seja para incentivos da Lei Rouanet
ou para desconto no Imposto de Renda.
Não há exemplo de doação de tal vulto para área cultural por
entidades privadas. A única contrapartida pleiteada pelos doadores
seria a vinculação do nome da empresa ao empreendimento por período
de dez anos. Assinalava, no artigo, que a prevalecer o veto do
Conpresp, o Masp teria de devolver os recursos obtidos, perdendo a
única oportunidade de crescimento e ampliação.
A apelação apresentada ao próprio Conpresp não foi aceita, obrigando
o Masp a entrar na Justiça para fazer prevalecer o que consideramos
nosso direito. Na petição, feita pelo escritório do jurista Ives
Gandra Martins, há a citação de trecho do manifesto publicado em 1887
no jornal "Le Temps", de Paris, sob o título "Protestation contre la
tour de M. Eiffel", que vou me permitir transcrever a seguir em
tradução livre.
"Nós, escritores, pintores, escultores, arquitetos amadores
apaixonados pela beleza até aqui intacta de Paris, vimos protestar
com todas as nossas forças, com toda a nossa indignação, em nome do
bom gosto francês, ao qual não se está fazendo justiça, em nome da
arte e da história francesa ameaçadas, contra a ereção, em pleno
coração de nossa capital, da inútil e monstruosa torre Eiffel, que a
língua ferina do povo, freqüentemente impregnada de bom senso e de
espírito de justiça, já batizou de torre de Babel. A cidade de Paris
vai associar-se, por período tão longo, às bizarras e mercantilistas
idéias de um construtor de máquinas, para se enfeiar irreparavelmente
e se desonrar?
"É suficiente, ademais, para que se renda conta do que antevemos,
imaginar um instante uma torre vertiginosamente ridícula, dominando
Paris, como uma negra e gigantesca chaminé de usina, humilhando com
seu vulto bárbaro todos os nossos monumentos, amesquinhando toda
nossa arquitetura, fazendo-os desaparecer. "Desse sonho absurdo, e
durante 20 anos [quando se previa desmontar a torre], veremos se
alongar sobre a cidade inteira, na qual freme o gênio de tantos
séculos , como uma mancha de tinta, odiosa coluna de ferros
aparafusados."
Completa Ives Gandra: ao contrário das apreciações e vaticínios então
lançados, a torre Eiffel não conspurcou a arquitetura de Paris.
Antes, tornou-se símbolo dessa maravilhosa cidade, recebendo por ano
milhões de visitantes e sendo responsável por grande parte da receita
municipal. Consta que Guy de Maupassant, grande opositor da torre
Eiffel, defendia a sua demolição. Questionado sobre o hábito de
freqüentemente almoçar no restaurante da torre respondia que era o
único lugar em Paris em que podia olhar todo o horizonte sem o perigo
de ver a torre Eiffel.
Existisse à época entidade com poder de veto como o nosso Conpresp,
certamente a torre Eiffel não seria construída. Reitero o que disse
no outro artigo. Espero, sinceramente, que a Justiça nos permita
oferecer à cidade um novo atrativo turístico e possibilite ao Masp
sua única oportunidade de ampliação e de importante contribuição para
sua independência financeira.
ADIB D. JATENE, 77 anos, é professor emérito da Faculdade de Medicina
da USP e presidente do Conselho Deliberativo do Masp.