Entrevista:O Estado inteligente

segunda-feira, julho 03, 2006

Supersafra de derrotas

veja


Cansado do atraso do PT e da inação
oficial diante da crise, Rodrigues vai
embora – e priva o governo de
um de seus melhores nomes


Alexandre Oltramari


Beto Barata/AE
Roberto Rodrigues, em seu gabinete, e a baderna de militantes do MLST dentro do Congresso: em meio à maior crise do setor agrícola, o ministro não teve a atenção de Lula
Adriano Machado/AE

Faltando seis meses para o fim do governo Lula, o ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, anunciou que está deixando o cargo. "A minha colaboração está terminada. Saio com o sentimento do dever cumprido." A estranheza de um pedido de demissão – por "dever cumprido" – a tão pouco tempo do fim do mandato produziu uma supersafra de explicações. Uma delas informa que Roberto Rodrigues, que não é filiado a nenhum partido político, sentia-se desconfortável com as pressões veladas para que participasse da campanha reeleitoral de Lula. Outra explicação para sua demissão é a intenção do governo de aumentar o índice mínimo de produtividade para desapropriar uma fazenda para fins de reforma agrária – medida concebida apenas para elevar o volume de desapropriações e agradar ao MST, o que contava com a oposição tenaz do ministro. Uma terceira versão seria a falta de reação do governo diante da monumental crise que atinge a agricultura, a pior dos últimos quarenta anos. A saída do ministro, contudo, não se deve a nenhuma razão específica. Deve-se ao conjunto da obra.

Desde que assumiu o cargo, no início do mandato de Lula, Roberto Rodrigues vinha travando sucessivas batalhas contra os setores mais atrasados do governo petista. Na discussão sobre os transgênicos, engalfinhou-se publicamente com a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, contrária ao plantio e à comercialização desses produtos. A muito custo, o ministro conseguiu imunizar o governo contra o vírus ideológico que contaminava a discussão. Venceu a batalha, não a guerra. De lá para cá, Rodrigues vinha perdendo todas as disputas em que se envolveu. O orçamento de seu ministério minguou em plena crise da febre aftosa. A desvalorização cambial, associada à estiagem, produziu uma monumental quebradeira no campo – e o ministro colheu apenas vento quando tentou convencer a área econômica a socorrer os agricultores falidos. Conforme cálculos do próprio governo, as perdas na agricultura chegam a 30 bilhões de reais nos últimos dois anos. "A crise será a marca da minha gestão", resumiu o ministro ao anunciar sua saída.

Recentemente, o ministro Roberto Rodrigues ficou ainda mais constrangido ao ver a reação titubeante do governo em relação à baderna promovida no Congresso Nacional por militantes do PT vinculados ao MLST. Rodrigues já pedira demissão a Lula em pelo menos três oportunidades. Em todas, Lula conseguiu demovê-lo. Na semana passada, o desfecho foi diferente em decorrência da conjunção de dois fatores. Um deles: o desânimo crescente do ministro. "Ele estava cansado, abatido. Ele simplesmente desistiu de continuar arrumando uma briga atrás da outra no governo", diz um amigo, que esteve com Rodrigues durante duas horas, logo antes de ele anunciar publicamente sua saída. A outra razão é que, aparentemente, Lula não se esforçou tanto para mantê-lo no cargo. "Se tivesse recebido o apoio do presidente, acho que ele ficaria. Mas Lula, ao ouvir as queixas do Roberto, limitou-se a marcar a data de sua saída", conta o amigo do ministro. Especulou-se que a mudança de atitude de Lula decorria da intenção do governo de adular o PMDB, oferecendo ao partido a anexação da pasta da Agricultura ao seu latifúndio político. Era pura fumaça. Na sexta-feira passada, o presidente nomeou o novo titular do cargo. É Luís Carlos Guedes Pinto, amigo de Rodrigues e o segundo homem na hierarquia do ministério.

A saída de um quadro como Roberto Rodrigues, além de fragilizar ainda mais um setor que responde por 30% do PIB nacional, é uma nova evidência do cenário desolador em que se transformou o primeiro escalão do governo Lula. Com a saída de Rodrigues, o presidente perde um de seus últimos ministros com estatura técnica e respeito político. Atualmente, a galeria de ministros de Lula é uma paisagem de desconhecidos, coisa que tende a acontecer em todo final de governo e não é necessariamente ruim. Os ministros técnicos muitas vezes fazem administrações bastante superiores às dos ministros políticos. O problema, no caso de Lula, é que, além de ter de enfrentar a diáspora eleitoral comum em fim de mandato, ele está abrindo mão dos poucos quadros de inquestionável competência de seu governo. Fazendo assim, com quem será que Lula pretende governar se ganhar nas urnas um segundo mandato?


Arquivo do blog