Entrevista:O Estado inteligente

sábado, julho 15, 2006

A riqueza roubada

VEJA

A violência subtrai 200 bilhões de reais
por ano do Brasil. Os bandidos também
levam empregos, bem-estar e a
produtividade da economia


Chrystiane Silva e Ronaldo Soares

 

Hélvio Romero/AE
Custo visível da violência: uma das sete agências do Banco Itaú atacadas pelo crime organizado em São Paulo na última semana


É relativamente fácil calcular prejuízos materiais como os da foto que ilustra esta matéria. Esse é o custo econômico mais visível do banditismo. Também é possível quantificar os recursos que empresas, pessoas e o Estado gastam sendo vítimas de criminosos ou defendendo-se deles todo ano – cifra que, no Brasil, chega a 10% do PIB, ou 200 bilhões de reais, segundo levantamento do Banco Interamericano de Desenvolvimento. Mais complicado – e certamente mais dramático – é descobrir quanta riqueza a sociedade deixa de produzir exposta à sanha dos bandidos que tiram vidas, estraçalham poupança, patrimônio e trabalho e minam a capacidade criativa das pessoas. Os economistas chamam isso de "custo de oportunidade". "Não é o que se perde, mas o que se deixa de ganhar em razão da criminalidade", explica Marcelo Neri, da Fundação Getulio Vargas. O que ocorreria, por exemplo, se parte desses 200 bilhões de reais e as vidas perdidas tivessem tido a chance de exercer seu potencial, criando empresas mais eficientes, produtivas e competitivas? Quanto o país atrairia de investimentos se os índices de violência desabassem? Qual seria o impacto sobre o crescimento? Os dados abaixo colhidos por VEJA jogam um pouco de luz sobre o tema e mostram que os bandidos destroem mais riquezas do que os estragos que aparecem nas fotografias.

PRODUTIVIDADE – O crescimento de um país só tem impacto duradouro sobre a qualidade de vida das pessoas quando sua mola propulsora é o aumento da produtividade. Isso exige investimentos maciços em novas tecnologias e em capital humano, e não em segurança privada e na instalação de vidros blindados. O comércio do Rio de Janeiro gastou, no ano passado, 2,8 bilhões de reais em segurança. Para Clarice Messer, chefe do departamento econômico da Fecomércio, esse dinheiro foi subtraído "de áreas relacionadas ao crescimento do setor, como tecnologia, treinamento de pessoal e marketing". Essa aberração fica ainda mais nítida no caso de indústrias globais, que conseguem comparar seus custos com segurança em vários países. Para cada dólar que a General Motors nos Estados Unidos gasta com segurança, sua filial brasileira despende quase 3. Também é o caso de uma das maiores empresas de segurança de dados instalada no Brasil. Ela gasta no país 13% do faturamento em segurança – blindagem de carros, cuidado pessoal para os executivos, rastreamento por satélite. Nos EUA, essa rubrica representa apenas 3% do faturamento. A Femsa, engarrafadora da Coca-Cola, adotou o uso de GPS em todos os caminhões que distribuem bebidas e blindou o carro de todos os executivos. Essas medidas foram empregadas apenas na América Latina.

INVESTIMENTOS – A criminalidade aparece como um dos principais fatores que limitam a entrada de recursos externos no setor produtivo da economia, na forma de novas empresas e instalações. Essa é a conclusão de pesquisas feitas pelo Banco Mundial e pela Câmara Americana de Comércio. Crimes elevam diretamente o custo de operação das empresas. Gastos com segurança para transporte de cargas, por exemplo, representam cerca de 12% do total do frete. Estima-se que o investimento das companhias para evitar roubo de cargas seja da ordem de 3,8 bilhões de reais por ano. Mas não é apenas a violência dos criminosos do PCC ou das quadrilhas de roubo de cargas que afasta os investimentos. Tome-se a agressão representada pelas invasões do MST e seus congêneres. Em março, o Movimento de Mulheres Camponesas invadiu um centro de pesquisas da Aracruz Celulose no Rio Grande do Sul e destruiu aproximadamente 1 milhão de mudas de eucalipto. Minutos de vandalismo das sem-terra arrasaram com a pesquisa de anos a fio que vinha sendo feita em espécies mais produtivas. Outros alvos recorrentes dos sem-terra são as produtoras de sementes Monsanto e Syngenta, ambas multinacionais. Em março, manifestantes que se dizem sem-terra invadiram um centro de pesquisas da Syngenta no Paraná. Como resultado, a empresa ameaça reduzir os investimentos no país. São notícias lamentáveis em um país que investe pouco em pesquisa tecnológica.

CRÉDITO – Os bancos brasileiros gastam 1 bilhão de dólares por ano em segurança eletrônica, vigilância e transporte de valores. Instituições estrangeiras informam que esse custo é 30% maior no Brasil do que nos países onde suas matrizes estão localizadas. É a sociedade quem paga a conta. Isso porque gastos com segurança são componentes relevantes do custo de operação dos bancos e, como tais, são repassados aos clientes na forma de tarifas maiores e taxas de juro mais altas. Portanto, ao encarecer o dinheiro e as operações bancárias no Brasil, o crime contrai o crédito e emperra o crescimento. A existência de um mercado informal gigante e movido a dinheiro vivo agrava o problema. Os bancos creditam ao mercado informal o volume desproporcional de papel-moeda transportado diariamente em carros-fortes. Como resultado, as ruas brasileiras foram transformadas em cofres a céu aberto, à espera de ataques – estima-se que a renda mensal do PCC com assaltos a carros-fortes atinja 1 milhão de reais.

VALOR DA VIDA – A educação, a criação e a ausência de produção de cada jovem com ensino médio completo que é assassinado custam entre 400.000 e 500.000 reais à sociedade. O cálculo é de Claudio Beato, coordenador do Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública (Crisp) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Esse seria o custo de quanto ele deixou de produzir e de consumir caso chegasse a viver até os 70 anos. Ocorrem 50.000 homicídios no Brasil por ano, sendo 46% deles de jovens entre 15 e 24 anos. A suposição de que boa parte deles tinha o ensino médio completo nos leva à conclusão de que a sociedade brasileira perde a cada ano para o crime, além de vidas, uma riqueza na casa da dezena de bilhões de reais. Esse é o grande prejuízo invisível que ajuda a entender a razão da resistência da pobreza no Brasil.

Com reportagem de Heloisa Joly

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