Entrevista:O Estado inteligente

segunda-feira, julho 03, 2006

A paz durou pouco

veja

Onze meses depois de a retirada israelense
criar uma chance para negociações, os tanques
de Israel estão de volta à Faixa de Gaza. Desta
vez, para tentar o resgate de um soldado
seqüestrado por terroristas do Hamas


Duda Teixeira

 

Menahem Kahana/AFP
Hatem Moussa/AFP
Artilharia de Israel dispara contra Gaza e, à direita, terrorista exibe documentos de refém assassinado


A paz ganhou uma chance dez meses atrás, quando Israel retirou suas tropas e colonos da Faixa de Gaza. Como em outras ocasiões no passado, palestinos e israelenses trataram de solapar toda a esperança. Na semana passada, tropas e blindados israelenses estavam de volta ao território – embora ainda não seja uma preocupação – e a população palestina, acossada por bombardeios, pela falta de água e luz, revivia um pesadelo. Sempre que as expectativas de paz no Oriente Médio retornam ao ponto morto, tenta-se identificar o culpado pela nova crise. Nem sempre isso é possível no conflito entre árabes e judeus, mas há duas evidências a considerar. Primeiro, a de que Israel não tem nenhuma outra estratégia para lidar com os palestinos exceto a de usar força bruta. A segunda, igualmente desalentadora, é a de que os líderes palestinos se revelaram incapazes de aproveitar a oportunidade para melhorar a vida de seus concidadãos e buscar uma saída negociada para o conflito.

Nos últimos dez meses, os habitantes de Gaza puderam transitar livremente entre as cidades do território e tocar a vida sem o permanente confronto com os soldados de ocupação. Apesar de a população ainda estar virtualmente confinada por Israel, que controla as fronteiras, a autonomia interna fornecia a oportunidade de assentar os alicerces do Estado palestino. Em lugar disso, o que se viu foi o caos. Grupos armados, milícias e clãs familiares disputam a tiros o poder nas ruas. O corte da ajuda internacional depois da eleição de um governo do Hamas, o grupo terrorista de inspiração islâmica que rejeita os acordos de paz com Israel, agravou a penúria do 1,3 milhão de moradores, dois terços dos quais vivem abaixo da linha de pobreza. Tão frágil é o poder de Mahmoud Abbas, sucessor de Yasser Arafat como presidente da Autoridade Nacional Palestina, que ele já não é levado a sério por Israel.

 

Matem Moussa/AFP
Ponte destruída por israelenses no norte de Gaza: para evitar uma fuga com o refém

A nova invasão israelense não teria ocorrido não fosse a insistência dos militantes palestinos em atacar Israel dentro de suas fronteiras internacionalmente reconhecidas. Apenas em maio, 176 mísseis explosivos, improvisados mas letais, foram disparados de Gaza contra a cidade de Sderot, a menos de 5 quilômetros da fronteira. No domingo 18, comandos palestinos atravessaram a divisa por um túnel e atacaram a guarnição israelense. Deixaram para trás dois soldados mortos e levaram um terceiro, o cabo Gilad Shalit, de 19 anos. Os seqüestradores, uma força-tarefa formada por vários grupos, incluindo o Hamas, exigiram a libertação de todos os prisioneiros palestinos do sexo feminino e menores de idade como condição para informar se o refém está vivo ou morto. Israel recusou-se a negociar, mobilizou seus blindados e efetuou uma série de ataques aéreos e de artilharia em Gaza. Destruiu três pontes, bombardeou o prédio do Ministério do Interior e arruinou uma central elétrica, deixando 700 000 palestinos sem eletricidade nem água encanada. Também prendeu 64 membros do Hamas na Cisjordânia, incluindo um terço do ministério palestino e 23 deputados. "Eles querem a libertação de prisioneiros? Nós vamos libertar esses prisioneiros em troca de Shalit", desafiou o primeiro-ministro israelense Ehud Olmert.

Israel reage com brutalidade porque sabe que os seqüestros são seu calcanhar-de-aquiles. Um dia depois de pegarem o soldado, militantes palestinos seqüestraram um jovem colono israelense na Cisjordânia. O adolescente foi assassinado com um tiro na cabeça poucas horas depois, mas os seqüestradores continuaram a fazer exigências para libertá-lo, fingindo que ele estava vivo. Em outras ocasiões, Israel pagou o resgate. Em 2004, libertou 429 prisioneiros palestinos e libaneses em troca de um civil israelense seqüestrado e dos corpos de três soldados mortos no Líbano. Mas, de modo geral, recusa-se a ceder quando o seqüestro ocorre dentro do território israelense. Nesses casos, prevalece a opinião militar de que a única maneira de evitar uma onda de seqüestros é fazer com que a captura custe caro aos palestinos. Em termos concretos, isso significa punição coletiva que atinge principalmente os civis, como a destruição da central elétrica em Gaza.

 

Mohammed Salem/AFP
Prédio palestino atingido por míssil israelense: pressão sobre o Hamas para entregar o soldado tomado como refém

A crise atual é sobretudo uma conseqüência da falta de consenso entre os palestinos a respeito de um assunto vital para o futuro desse povo: como lidar com Israel. O objetivo oficial do Hamas é destruir o Estado judeu e instalar um regime islâmico na Palestina. Consciente de que a tarefa está além dos recursos palestinos, Ismail Haniyeh, primeiro-ministro palestino e membro do Hamas, tem se mostrado pragmático e prudente. O problema é que o primeiro-ministro parece não ter total controle sobre o braço armado do Hamas, que obedece a líderes exilados no Líbano e na Síria. "Os que votaram no Hamas pensaram apenas nos problemas internos, sem se preocupar com os perigos de uma política externa agressiva", diz o americano Scott Lasensky, pesquisador do Centro para Análise de Conflitos e Prevenção, em Washington.

O seqüestro do soldado e os mísseis têm claramente o objetivo de provocar uma reação de Israel. A resposta do inimigo serve, na opinião dos extremistas, para manter acesa a luta nacional palestina e, também, de moeda de troca no conflito interno entre os grupos armados. Nos dias anteriores ao seqüestro, Haniyeh e Abbas tinham chegado a um acordo para formar um governo de união nacional e entregar ao presidente a tarefa de encontrar a melhor forma de lidar com Israel, que argumenta não ter interlocutores do lado palestino. O seqüestro e a reação israelense tornam o entendimento irrelevante e lançam novas sombras sobre o futuro. Também servem para mostrar que a retirada unilateral de Israel de territórios palestinos, por mais bem-vinda que seja, não é capaz de trazer a paz. Embora ambos os lados relutem, não parece haver outra solução exceto a de baixar as armas e sentar para negociar uma solução que seja aceitável para ambos os lados.

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