Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, julho 18, 2006

Miriam Leitão Perdigão dirá não - Jornal O Globo




Os fundos de pensão, principais acionistas da Perdigão, respondem hoje à Sadia, e devem recusar a oferta. Eles se baseiam nas avaliações de bancos para sustentar que a proposta não é boa financeiramente. A primeira oferta hostil no mercado de capitais brasileiro suscitou várias questões. Uma delas: poderão os menores acionistas juntos vender a empresa mesmo contra a vontade dos grandes acionistas?

O capitalismo brasileiro ficou mais moderno quando algumas empresas começaram a entrar no Novo Mercado, e ainda mais moderno quando algumas quiseram pulverizar o seu capital. Mas, quando isso acontece, a empresa fica vulnerável à proposta de compra do seu controle.

Juntos, seis fundos de pensão têm 47% do capital da Perdigão. A Weg tem outra parcela e o resto está fragmentado no mercado. Os pequenos acionistas terão acesso à lista dos outros acionistas para, se quiserem, articularem-se em favor da aceitação. Na prática, a pulverização permite até que o negócio seja feito, mesmo que os maiores acionistas não queiram.

Nos últimos anos, houve muita mudança no mercado de capitais brasileiro. Uma delas: diferenciação entre as empresas, pelo grau de compromisso com o minoritário. Há uma escada em que cada degrau é um ponto de aumento de transparência, de proteção ao minoritário, de melhoria da governança. Tem o nível geral da Bovespa, em que está a maioria das empresas; depois tem o nível 1, no qual está a Sadia; em seguida, o nível 2 e, por fim, o Novo Mercado, no qual está a Perdigão. Para estar no topo desse processo de mudança, é preciso converter todas as ações preferenciais em ordinárias, dar ao minoritário a garantia de que qualquer oferta de compra vai ser estendida a ele.

A Perdigão foi além do que está estabelecido como norma do Novo Mercado. Não apenas converteu as preferenciais em ações com direito a voto, como o fez na base do um para um. Ou seja, cada preferencial foi transformada em uma ordinária. Isso diluiu o capital de quem tinha o controle. Sem controle definido, ela ficou mais moderna e mais vulnerável à proposta de compra que não pediu. Isso é que se chama de “oferta hostil”. Os maiores acionistas consideram a proposta “hostil” pelo fato de que nunca foram contatados para qualquer conversa até serem informados que a proposta estava no mercado. Esse tipo de operação acontece muito em outros países, com mercado de capitais mais maduro, mas é a primeira vez que acontece no Brasil.

Outras empresas também pulverizaram seu capital: a primeira foi a Lojas Renner; depois Embraer, Perdigão, Submarino. O caminho do capitalismo moderno é, de fato, este: não haver um dono definido, mas ser uma empresa pública com regras de governança clara, transparentes e igualdade no tratamento entre os acionistas. Com as informações mais transparentes, estas empresas também têm mais valor. Por outro lado, se o valor das ações cai, elas viram alvo de compra das concorrentes. Todo cuidado é pouco.

O presidente da Sadia, Walter Fontana, disse que a proposta tem o objetivo de criar uma empresa nacional forte na área, aumentar a força para a competição no exterior e fazer uma companhia “caçadora”, que possa, inclusive, comprar empresas no exterior, como fez a Gerdau.

Ficar forte e se globalizar é bom, mas o caso AmBev ensina que isso não é simples. Muita gente acreditou na conversa de criação de uma multinacional verde-e-amarela e hoje essa multinacional é belga. Ou seja, juntar duas empresas brasileiras não dá qualquer garantia de que ela não seja comprada por uma estrangeira. O nacionalismo não deve ser argumento para o Cade na hora de avaliar se o grau de concentração prejudica ou não o consumidor.

Sadia e Perdigão são concorrentes no Brasil e são competidoras também no mercado internacional. A disputa entre as duas faz com que ambas reduzam preço e quem ganha com isso é o país comprador. Na Rússia, por exemplo, houve casos de queda de 30% do preço do produto exportado pelo Brasil por causa da disputa entre as duas. Elas têm uma rixa histórica, com muito conflito, muita concorrência. Há seis anos, tentaram fazer uma empresa unida para entrar no mercado asiático, a BRF, Brazilian Food, mas durou apenas seis meses. Todos brigaram: as direções, os fornecedores, os funcionários.

Se a operação for feita, alguns mercados vão ficar bastante concentrados: lasanha congelada, 80%; pizza congelada, 60%; presunto, mais de 60%. Ambas as empresas dizem que a concentração é apenas em algumas linhas de produto. A conferir.

Juntas, Sadia e Perdigão serão mais fortes na negociação com os supermercados, que sempre usaram a competição entre as duas. Recentemente, por exemplo, a Perdigão brigou com o Pão de Açúcar por causa de preço e ele simplesmente suspendeu por três semanas o produto Perdigão no Brasil inteiro.

A Perdigão é o caso de sucesso dos fundos de pensão. Em 1994, quando eles adquiriram a empresa, ela estava quase falindo e era um terço do tamanho da Sadia. Hoje as duas se equivalem. A Sadia também é bem-sucedida, bem administrada, mas tem uma organização societária mais tradicional: o controle está na mão de uma família, em sua terceira geração. É um caso realmente interessante para se acompanhar.

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