Diante do escândalo dos sanguessugas, que, a seu ver, desmoraliza o atual Congresso e coloca em risco a credibilidade do Congresso a ser eleito este ano, o deputado Miro Teixeira, líder do PDT na Câmara, encaminha hoje ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) uma consulta “com o claro objetivo de impedir a posse de eleitos contra os quais haja irrefutável prova de corrupção, como demonstra a realidade que vivemos”. Miro ressalta que o próximo Congresso “poderia iniciar a legislatura com um quinto de seus representantes comprovadamente responsabilizados por crime contra a administração pública”.
As inelegibilidades, previstas na Lei Complementar n 64, dependem do trânsito em julgado de decisões judiciais. “Por aí, estamos obrigados a assistir à eleição e posse de criminosos, não nos restando senão os protestos indignados de sempre”, comenta Miro. A impugnação da diplomação também se tem revelado ineficaz e, após a posse, o eleito muito dificilmente é removido do mandato.
Na interpretação de Miro, o artigo 14 da Constituição, em seu parágrafo 10, garante que não tomará posse o eleito contra quem haja provas de abuso de corrupção. “É o que basta”, afirma o deputado em sua consulta: “Dispensada está a existência de trânsito em julgado de qualquer outra decisão judicial. Trata-se de ação autônoma, de processamento próprio, para o qual são bastantes as provas do ilícito (...). E elas existem em quantidade, em poder da Justiça”.
Miro lembra em sua consulta que há urgência dos esclarecimentos porque a opinião pública “está na condição de refém de artifícios legais que garantem a impunidade”. O deputado vai mandar também uma petição ao procurador-geral da República, Antônio Fernando de Souza. Segundo ele, “a emergência não nos afasta da lei, mas nos exige agilidade assemelhada à dos fora-da-lei”.
Se o TSE ou a Procuradoria Geral da República aceitarem a tese do deputado Miro Teixeira, os parlamentares envolvidos nesses e em outros escândalos comprovadamente poderão até concorrer às eleições, mas não poderão tomar posse.
A revelação do deputado Fernando Gabeira de que cerca de cem parlamentares e ex-parlamentares podem estar envolvidos com a máfia que se utilizava das emendas no orçamento para superfaturar a compra de ambulâncias está transformando a CPI dos Sanguessugas na grande estrela da temporada de investigações internas do Congresso este ano.
O deputado federal Raul Jungmann (PPS-PE), membro da CPI, define: “Este é um caso de proporções inéditas de corrupção envolvendo o Legislativo e prefeituras, mas acho que cresce também sobre o Executivo”. A CPI teve, segundo Jungmann, “uma estupenda sorte de tropeçar com um caminhão de provas devido a um trabalho brilhante do Ministério Público Federal de Mato Grosso e, sobretudo, da Justiça Federal com o juiz Jefferson Schneider”.
Um trabalho paciente, de dois anos, feito na calada, discretamente, que reuniu provas e comprovações “efetivamente muito consistentes”, na avaliação dos que tiveram acesso aos documentos. O empresário Luiz Antônio Vedoin, que está no programa de delação premiada, tem uma memória prodigiosa e comprovante “de quase tudo”.
Jungmann revela que o juiz disse aos membros da CPI que cerca de 50 a 60 deputados já estão comprovadamente envolvidos, sendo preciso agora definir os diversos graus de envolvimento desses 90 a 100 deputados e ex-deputados.
Essa CPI tem a característica de não ter disputa política, não há ninguém na CPI querendo acusar o governo. “Quando tentaram trazer os ministros para depor nós derrubamos logo”, lembra Jungmann. A CPI , segundo ele, tem um certo centro, que vai ser submetido a fortes tensões, “mas tem uma noção muito clara de que não deve trazer as eleições para dentro dela”.
As dimensões desse caso abarcam, sobretudo, o “baixo clero” do Congresso, principalmente do Estado do Rio e Mato Grosso, e envolve muitos deputados evangélicos. As investigações mostram que a Planam é a primeira empresa no Brasil organizada para corrupção no Orçamento, foi criada para isso, “para o varejo, para o microcrédito, o camelô da corrupção”, na definição de Jungmann.
O salto dos negócios foi em 2002, com o caixa dois para a eleição. A Planam é uma empresa com 70 funcionários, com atividade em 19 estados, que montou 19 empresas-fantasmas para pequenos golpes de R$ 2 mil, R$ 3 mil. O deputado Nilton Capixaba, do PTB, por exemplo, usava 96% de suas emendas para os negócios com a Planam.
O que está havendo, anos depois, é o desdobramento do escândalo dos anões do Orçamento, e Raul Jungmann acha que a solução seria “acabar com as emendas parlamentares”, mas admite que não há consenso sobre isso.