Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, julho 14, 2006

Merval Pereira - Desconstruir Lula


O Globo
14/7/2006

Não deve ser entendido como um simples escorregão de linguagem o
comentário do presidente do PFL, senador Jorge Bornhausen, de que não
se surpreenderia se o PT estivesse por trás dos ataques terroristas
que mais uma vez atingiram São Paulo. Quando, meses atrás, Bornhausen
deixou escapar sua esperança de que, com a eleição, o país se
livraria “dessa raça”, se referindo ao PT, não tinha a intenção de
discriminar politicamente os adversários. Foi uma figura de linguagem
que se prestou a outras interpretações, inclusive a de que o senador
seria racista, como se raças existissem e o petismo designasse uma
delas. Desta vez, não. Por mais que se considere inadequada a
insinuação, ela faz parte de uma estratégia política do PFL para
radicalizar a campanha eleitoral contra Lula, um trabalho de
“desconstrução” de sua imagem política para fazê-lo cair do patamar
de 45% confirmado pela última pesquisa CNT/ Sensus.

A subida de Geraldo Alckmin para o patamar de 30%, considerado ótimo
ponto de partida para o início da propaganda política de rádio e
televisão em 15 de agosto, não foi suficiente para tirar Lula da
condição de vencedor potencial ainda no primeiro turno, e o trabalho
da oposição agora será, para manter Alckmim competitivo, fazer Lula
baixar para um nível de 40%.

De nada adianta Alckmin continuar subindo se ele o faz às custas de
votos de candidatos que saíram da disputa, como Enéas ou Roberto
Freire, e não tira nenhum eleitor de Lula. O PFL é adepto de uma
campanha de contraste, que coloque diante do eleitor que não é Lula
convicto algumas indagações que o façam duvidar de seu voto.

A recente pesquisa CNT/Sensus mostrou, para os pefelistas, alguns
pontos vulneráveis da candidatura à reeleição de Lula que deverão ser
explorados. Por exemplo, aumentou o percentual dos que consideram
Lula culpado pela corrupção, enquanto caiu o número dos que acusam o PT.

Hoje 22% consideram o PT culpado, mas já foram 39% em setembro de
2005. Lula passou a ser o responsável para 18%, quando em setembro
eram 13%. A resposta “Não sabe/ não respondeu” também cresceu de 13%
para 25%, o que mostra que está surtindo efeito a estratégia petista
de misturar tudo e todos.

Atacar Lula através do PT é uma maneira de voltar a chamar a atenção
do eleitorado para as acusações contra os petistas, de corrupção e de
outros delitos graves envolvendo desde lavagem de dinheiro até o
assassinato do prefeito Celso Daniel, de Santo André. A correlação
entre o PT e o submundo do crime, feita pelo senador Bornhausen, deve
ser entendida dentro desse contexto.

O PFL se vale também da análise do cientista político Nelson
Carvalho, ligado ao prefeito do Rio, Cesar Maia, sobre a eleição no
México, onde o candidato oficial do PAN, Felipe Calderón, venceu por
margem ínfima o esquerdista Lopes Obrador, que passou a campanha
quase inteira à frente das pesquisas eleitorais.

Carvalho vê muitas semelhanças entre aquela eleição e a nossa, a
começar pelo fato de que Lopes Obrador tinha uma proposta de
transferência de renda que atingiria 80% da população mexicana, com
bolsas compensatórias, a extensão de uma política de terceira idade
para todo o país, dando cerca de 70 dólares aos idosos, e aumento do
salário-mínimo, com a credibilidade de quem foi bom gestor.

Quando prefeito da capital, Obrador pôs em prática muitas de suas
promessas, e tinha como mostrar ao eleitorado que cumpria sua
palavra. E com credibilidade: o candidato dele na capital do México
foi eleito com 53% dos votos, ao mesmo tempo em que Obrador perdia
por pouco a eleição nacional.

Da mesma forma que Lula, ele se identificava com o povo pobre, a
identificação substituindo a representação, na definição dos
estudiosos. A situação só começou a mudar quando a campanha de
Calderón deixou de ser propositiva para ser uma campanha de contraste.

Nelson Carvalho cita alguns efeitos colaterais dessa política
assistencialista de Obrador que foram ressaltados por Calderón:
endividamento do estado, seguido de crise financeira e perda pessoal.
Calderón escolhe então como eixo estratégico de sua campanha a
estabilidade econômica pela ótica do emprego, e consegue, segundo
Carvalho, suscitar um temor, uma incerteza, na população. “Incerteza
em relação a um excesso de expectativas, e esse processo negativo
torna um candidato que nascera de uma maneira artificial em um
candidato competitivo”.

Calderón, assim como Alckmin, também não era o candidato preferido da
cúpula do PAN, mas ganhou a convenção por dentro da máquina
partidária. O que a campanha do México mostrou, segundo Nelson
Carvalho, é que uma campanha de contrastes é possível na América
Latina de hoje. Seria uma maneira, segundo sua análise, de enfrentar
um candidato “muito bem avaliado, com um retorno da identificação de
proximidade muito acentuado, com um inflacionamento de propostas
brutal de todas as ordens”.

Os 50 compromissos que Lopes Obrador assumiu na campanha “são apenas
gastos, dinheiro no bolso das pessoas”, lembra Carvalho. Para tentar
superar a desconfiança de que estaria cavando uma crise econômica
mais adiante, Obrador dizia que faria um ajuste fiscal na base da
carga impositiva, para tornar possível essa política de gastos. Não
conseguiu convencer a maioria de que isso seria possível, ou viável.

Os temas estão sendo tentados: corrupção, carga tributária, excesso
de gastos públicos. O PFL tateia à procura de contrastes que coloquem
em evidência as fragilidades que identifica em Lula. Por isso a
campanha pela extensão do aumento de 16,6% para os aposentados que
ganham mais de um salário-mínimo, para evidenciar que as promessas de
Lula são apenas bravatas. O certo é que o PFL fará sempre o papel
mais agressivo da oposição.

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