Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, julho 07, 2006

Luiz Garcia - O mesmo barril

O Globo
7/7/2006

Em tese — ou em alguns outros países — o bandido profissional deixa
de ser inimigo ativo da sociedade a partir do momento em que é
internado numa penitenciária. Lá dentro, pode recuperar as condições
da cidadania, se o sistema tem meios para produzir essa transformação.

Talvez continue marginal: é ilusão imaginar que não existam
criminosos irrecuperáveis. Seja como for, uma vez preso, o condenado
deixa de ser ameaça para a sociedade.

A matança de agentes públicos (policiais, guardas penitenciários e
até bombeiros) e outros atos de violência ocorridos em maio em São
Paulo — comandados de dentro das celas — mostrou que não é assim nas
penitenciárias brasileiras.

Pior, o poder público que administra o sistema prisional mais
sofisticado do país só soube reagir aos assassinatos com outro
massacre: 152 suspeitos — nada mais do que suspeitos — foram abatidos
em oito dias.

A crise amainou com um armistício frágil, até hoje mal explicado.
Talvez por isso mesmo a violência já está de volta, com assassinatos
de agentes penitenciários e motins de presos. Protestam contra a
remoção de chefes de quadrilhas — principalmente Marcola, o mais
poderoso deles — para um presídio federal recém-inaugurado.

A gravidade da situação foi reconhecida com lacônica precisão, outro
dia, pelo administrador das penitenciárias paulistas: “É o mesmo
barril de pólvora de maio.” Vamos ver se, como em maio, a reação do
poder público será a de explodir o barril.

Nesse quadro, merece atenção o depoimento de Marcola a uma CPI no mês
passado, só agora revelado.

Em suma, ele confirmou a existência de um sistema de proteção e apoio
à população carcerária, apoiado por bandidos em liberdade. Seria um
esquema paternalista, financiado com o produto de crimes. O chefão
não disse o óbvio: a proteção implica obediência, e a desobediência
produz punições — possivelmente de caráter definitivo.

O depoimento revela um triste cenário, no qual o presidiário precisa
da proteção dos chefões, e só consegue pagar essa proteção
permanecendo marginal. O Estado ainda não mostrou que tem meios ou
sequer planos para acabar com isso. Nem qualquer representante do
sistema penal até agora sequer tentou provar que Marcola mente, por
exemplo, quando alega que sua organização criminosa acabou com o
estupro de prisioneiros e o uso de drogas nas celas. Ou o bandido
disse a verdade?

Se disse, e fica tudo por isso mesmo, seu poder não acaba tão cedo.

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