Em meados do século passado (meu Deus do céu, jamais pensei que iria
escrever isto referindo-me a mim mesmo, esta vida é cruel), não havia
televisão na Bahia, onde eu morava. Quando chegou, por volta do fim
da década de 50, também não existia videoteipe. Esse avanço foi mais
tarde comemorado pelo único canal que tínhamos, com a visita de
estrelas do Rio e de São Paulo e outras maravilhas. Entre estas, a
possibilidade de ver jogos de futebol inteiros, com uma qualidade de
imagem deslumbrante para a época.
Desenvolveu-se então um tipo de torcedor muito peculiar. Pelo rádio e
pelo noticiário da própria TV, a baianada já podia saber dos
resultados dos jogos realizados à tarde no Sul do país (lá, Rio e São
Paulo são Sul do país) e mostrados à noite em Salvador. Mas havia
gente, como meu pai, por exemplo, torcedor do América, depois
flamenguista e simpatizante fervoroso de qualquer time que estivesse
bem no Campeonato Paulista, que se isolava do mundo nos dias de jogo.
Recusava-se terminantemente a saber dos resultados dos jogos e torcia
assistindo aos teipes, como se estivesse no que hoje se chama de
tempo real. Quando alguém se atrevia a tentar contar-lhe o placar já
sacramentado, ele dava um esbregue, tapava os ouvidos e se retirava
do recinto.
Acho que ele acreditava mesmo que o resultado pudesse mudar durante a
exibição do teipe e eu mesmo, vascaíno e corintiano, cheguei a de vez
em quando adotar essa prática. Neste mundo cada vez mais prenhe de
incertezas, não estou tão seguro assim de que nossa torcida não
funcionasse, pelo menos volta e meia. Suspeito que pelo menos uns
dois ou três grandes jogos tiveram resultados diferentes por causa de
nossa torcida eletrônica. De qualquer forma, tinha lá sua emoção
assistir ao teipe sem conhecer o placar.
Não vão passar aqui teipe nenhum de Portugal contra a Alemanha, mas
me vieram saudades dos velhos tempos baianos. Como já me disseram, a
maioria dos brasileiros estará torcendo por Portugal. E eu, neto de
português, sobrinho de português, pai de português e primo de
portugueses, não podia ser exceção. Até porque, entre as minhas não
tão corretas previsões, estava a de que tungariam Portugal, o que de
fato aconteceu. O pênalti a favor da França foi altamente duvidoso. E
o outro, não marcado, a favor de Portugal, foi mais do que óbvio. Um
francês empurrou claramente pelas costas o atacante português que ia
cabecear para o gol, em ótimas condições de marcar. Vi com estes
olhos que a terra há de comer e ninguém me fará mudar de idéia. Meu
coração estará com Chico, orgulho de Portugal e proprietário do
boteco onde eu estaria, se me encontrasse no Rio. Posso quebrar a
cara novamente, mas que tal uns 2 a 1 para Portugal, valoroso time,
com futebol e amor à camisa? Acho que vou pedir a um amigo alemão que
grave o jogo, para eu resolver tudo no teipe.