A lógica da administração pública ainda não teve motivos para incluir a insegurança urbana em suas preocupações
NA FALTA DE resposta satisfatória, uma pergunta singela talvez ajude a compreender o que se passa em São Paulo. Ei-la: nos dias de desordem criminosa, que tipo de pessoas sente medo real e justificado, e padece de fato na sua vida cotidiana?
Não são, por certo, os que até agora puderam adotar prontas providências defensivas, a cada novo incômodo ao seu sentimento de segurança. Condomínios e casas guardados atrás de grades e guaritas paramilitares, guarda-costas para as saídas dos familiares, privatização ilegal de ruas com cancelas e guardas, sistemas domésticos de vigilância, carros blindados, agora se difunde o mais sofisticado acompanhamento de pessoas, além de carros, por satélite. Da classe média para cima, quem não conta com toda essa rede de proteção dispõe de alguns de seus componentes ou de outras cautelas.
A lógica brasileira de administração pública, portanto, ainda não teve motivo para incluir a insegurança urbana nas suas preocupações prioritárias. Tal como ocorre com o saneamento, o déficit habitacional, a saúde e o ensino públicos, a aposentadoria e o horror chamado INSS, a reforma agrária, o emprego. E tudo o mais que só diz respeito aos que elegem, mas não influenciam. Inclusive a favelização e o encarceramento. Não por acaso, o sórdido encarceramento à brasileira e as condições subumanas da favela têm muito em comum: um como versão extremada da outra.
O PCC também é uma forma de defesa. À sua maneira, corresponde a uma necessidade: outra vez não por acaso, nasceu pouco depois do massacre no Carandiru. E como o Carandiru, até que o próprio Estado envergonhou-se dele e o desfez, continuou sendo o que era antes da grande rebelião e quase todos os demais presídios são carandirus menos à vista, os governos proporcionaram a prosperidade da idéia -convenhamos que inteligente- de uma organização de criminosos para pressionar o Estado. Claro, pelos modos próprios de quem deu motivo para estar encarcerado.
Desde o Carandiru em 92, as rebeliões se sucedem nas prisões paulistas com pontualidade relojoeira. Só neste meio ano, segundo levantamento publicado, já seriam 30, logo, com intervalo médio de menos de uma semana. Como solução, constroem-se mais presídios. E prendem-se cada vez mais criminosos. Duas progressões que não se resolvem. Só com os 126 mil já encarcerados, São Paulo e suas 93 mil vagas prisionais continuam acumulando um preso e meio onde só caberia um. Se cumpridos os milhares de mandados de prisão esperados pelo Judiciário, as várias modalidades de cadeia explodiriam, todas, sob a pressão dos corpos comprimidos. Seria a consagração do sistema carcerário praticado no Brasil.
O PCC realçou em São Paulo um cenário que não é só paulista. A política da repressão que se basta é nacional e histórica. Sempre se satisfez em prender, sem se interessar pelo que leva a essa necessidade crescente, nem pelo que sucede depois da prisão. Nas palavras com que o secretário de Segurança de São Paulo presta conta da ação governamental como resposta ao tumulto criminoso de maio: "Nestes dois meses prendemos 300".
E assim será. Mais prisões, ainda mais gerações de jovens ofertados à marginalidade, fim de um PCC aqui, surgimento de outro ali, e assim será. Sempre mais de cada parte desta seqüência: é a escalada do verdadeiro crescimento brasileiro. Lula e o PT apresentavam-se como capazes de iniciar a reversão dos condicionamentos nefandos, dos determinantes de um drama nacional que quer passar a tragédia. Mas aconchegaram-se nos condicionamentos, enlaçados nos Fernandos, Alckmins e demais motivadores de PCCs.