O Estado de S. Paulo
1/7/2006
Tendo como justificativa o estímulo da formalização do emprego das
domésticas, num setor em que mais de 70% das mulheres empregadas não
têm carteira assinada, a Medida Provisória 284, na realidade, foi uma
iniciativa tomada pelo Executivo com objetivos eleiçoeiros que
escapou ao controle de seus idealizadores e acabou sendo aproveitada
pelo Congresso para uma farra de favorecimentos imorais e concessões
absurdas. O texto final aprovado em caráter definitivo na quarta-
feira é tão estapafúrdio que deixou o presidente da República numa
situação embaraçosa. Se não vetá-lo integralmente, Lula estará
desagradando à classe média. Se vetá-lo, desagradará à classe das
domésticas e será duramente criticado pela oposição durante a
campanha eleitoral.
Originalmente, a MP 284 se limitava a conceder aos patrões a
possibilidade de deduzir do Imposto de Renda a contribuição à
Previdência Social de empregados domésticos, com a condição de que
assinassem a carteira de trabalho e depositassem 8% do valor do
salário numa conta vinculada ao FGTS. Tratava-se de um incentivo
fiscal, que podia ou não ser utilizado pelos patrões, e não de uma
imposição. Atualmente, as domésticas já têm direito ao recolhimento
do INSS, férias de 20 dias úteis, 13º salário e abono de férias. O
projeto de conversão aprovado pelo Congresso tornou compulsório o que
era optativo e encheu o texto original de penduricalhos que nada têm
a ver com o objeto da MP, desfigurando grotescamente a proposta do
Executivo.
Pelo texto aprovado, os empregadores passam não apenas a ter a
obrigação de recolher mensalmente o FGTS dos empregados, como,
também, a ter de pagar multa de 40% do saldo da conta em caso de
demissão sem justa causa. "Isso pode virar um pesadelo para uma
família de classe média, dependendo do tempo de serviço do
empregado", reconhece o deputado Beto Albuquerque, vice-líder do
governo.
Esse pesadelo tende a se tornar ainda mais angustiante quando se
levam em conta os custos extras que serão acarretados pelas outras
inovações impostas aos patrões. Além de ampliar as férias remuneradas
dos empregados de 20 dias úteis para 30 dias corridos, o texto
aprovado concede salário-família para as domésticas e concede o
direito à estabilidade no emprego desde a confirmação da gravidez até
cinco meses após o parto.
Diante dos altos gastos adicionais impostos aos patrões, os
especialistas receiam que o texto aprovado pela Câmara e pelo Senado
acabe prejudicando as domésticas, em vez de favorecê-las. Dito de
outro modo, ao multiplicar direitos da categoria, onerando o
orçamento dos patrões, ele pode provocar demissões em massa. "Ninguém
ganha direito de verdade via legislação impositiva. O mercado vai se
ajustar de alguma forma, podendo ocorrer redução de emprego, aumento
da informalidade e redução dos salários", afirma José Márcio Camargo,
professor da PUC/RJ e consultor em matéria de relações trabalhistas.
Além de ter criado uma situação que pode prejudicar a categoria das
empregadas domésticas que pretendia beneficiar, o projeto de
conversão aprovado pela Câmara e pelo Senado, como já dissemos,
incorporou concessões absurdas que nada tinham a ver com o objeto da
MP 284. Um dos penduricalhos é a redução para 0% da alíquota
incidente sobre o aluguel de aeronaves e motores de aviação, por
parte de empresas de transporte aéreo regular, uma medida tomada de
encomenda para beneficiar a agonizante Varig. Outros penduricalhos
livram de ações judiciais os mínis, pequenos, médios e grandes
agricultores que aceitarem renegociar dívidas bancárias e autorizam a
suspensão da inscrição na dívida ativa da União dos pequenos
agricultores do Nordeste que aderirem a programas de refinanciamento.
O que começou como uma simples medida provisória para cortejar o voto
das empregadas domésticas no pleito de outubro terminou como um
monstrengo legislativo. Diante dos custos que o texto
irresponsavelmente aprovado pelo Legislativo impõe para as finanças
públicas e para a classe média e do risco de desemprego que acarreta
para empregados domésticos, Lula não tem outra saída a não ser vetá-
lo totalmente e arcar com o preço político de um ato demagógico que
não deu certo.