1 O PCC TEM A FORÇA
A história mundial de repressores e reprimidos comprova uma verdade imutável: mesmo nas condições mais duras, os que estão do lado de dentro das grades têm a seu favor o fator tempo e a excepcional mobilização de recursos mentais e psicológicos propiciada pela luta mais fundamental pela sobrevivência. A isso, o grupo criminoso chamado Primeiro Comando da Capital (PCC) acrescentou uma capacidade operacional que turbinou seu raio de alcance nos últimos anos. De promotor de motins em presídios, tornou-se a mais bem estruturada organização criminosa do país, comandando atividades ilícitas dentro e fora das cadeias. O PCC domina o tráfico de drogas em São Paulo, ordena assassinatos, arquiteta seqüestros e assaltos a bancos e faz extorsões. No desdobramento mais recente, tenta intimidar as autoridades por meio de táticas terroristas cuja freqüência e intensidade aumentam continuamente. A última onda de assassinatos de agentes da lei e de ataques contra o patrimônio público e privado, na semana passada, tinha por objetivo impedir a transferência dos líderes da facção – especialmente Marcos Camacho, o Marcola – para a recém-inaugurada penitenciária de segurança máxima do governo federal, em Catanduvas, no Paraná. O PCC não é formado por gênios do crime, mas por bandidos que souberam tirar proveito do caldo de cultura das penitenciárias e, a partir daí, das falhas no sistema legal. Operam como um bando primitivo, com estrutura hierárquica rígida e núcleo decisório fechado. As ordens da cúpula são transmitidas, de dentro dos presídios, por criminosos conhecidos como "torres". Por meio deles, as instruções chegam a centenas de capatazes do PCC, os "pilotos", espalhados tanto dentro dos 144 presídios paulistas quanto nas ruas de boa parte das cidades do estado. Aos "pilotos" cabe fazer cumprir as ordens, em ambas as instâncias. No degrau mais baixo, estão os "bin ladens", viciados ou pequenos traficantes cujas dívidas de droga podem ser zeradas quando eles se incorporam aos ataques de maior risco. No interior de São Paulo, na semana passada, até meninos de bicicleta participaram de atos de vandalismo.
Paulo Liebert/AE |
Marcos Camacho, o Marcola, chefão do PCC: controle centralizado e logística financeira impulsionam o crescimento do "partido do crime" |
Além da estrutura verticalizada, o PCC também se organizou como uma empresa, com tesouraria, almoxarifado, setor de crédito e departamento de pessoal. VEJA teve acesso a documentos em poder da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo, reproduzidos em parte nestas páginas, que mostram como a arrecadação de recursos (por meio de extorsão a presos, seqüestros e outros crimes) e os gastos da organização são controlados detalhadamente. De acordo com a polícia, quem está preso paga uma mensalidade de 50 reais, em troca de proteção. Criminosos em liberdade contribuem com 1.000 reais (o valor, que era de 750 reais, foi reajustado na semana passada). Além de pagar a "mesada" dos chefões presos, o dinheiro é investido na compra de drogas, armas, aluguel de carros e pagamento de advogados. O PCC também montou uma "cooperativa de crédito" que financia as "operações pessoais" de seus membros com empréstimos de até 118.000 reais.
A estrutura verticalizada dá ao PCC vantagens competitivas em relação a outras facções criminosas conhecidas, como o Comando Vermelho, do Rio de Janeiro. Segundo o pesquisador Adriano Oliveira, do Núcleo de Estudo de Instituições Coercitivas, da Universidade Federal de Pernambuco, a centralização favorece a tomada de decisões e fortalece o senso de unidade em torno das lideranças do PCC. "No Rio, o Comando Vermelho disputa o poder com várias facções. Por isso, as lideranças não permanecem muito tempo no comando, como ocorre em São Paulo", diz Oliveira. Para o sociólogo Ignacio Cano, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, a diversificação de atividades favorece o PCC em comparação com os grupos cariocas, mergulhados numa eterna disputa territorial para sobreviver: "As quadrilhas do Rio precisam disputar áreas de atuação porque sua sustentação principal é o tráfico de drogas, que tem por base o controle de pontos-de-venda. Em São Paulo, o crime organizado atua em várias atividades ao mesmo tempo".
A tecnologia de comunicações também joga a favor do PCC. Graças aos celulares, que proliferam como praga nas cadeias paulistas, os bandidos realizam diariamente dezenas de teleconferências para transmitir recados, fazer ameaças e distribuir tarefas. Depois dos ataques de maio, a Secretaria de Segurança de São Paulo aumentou o número de escutas em telefones de membros do PCC. VEJA teve acesso a parte desse material. Os diálogos (veja o quadro ao lado) demonstram a assustadora mecânica desenvolvida pelo grupo. Na preparação de um dos ataques, um integrante do PCC repassa ordens da cúpula a um "piloto" que está fora da cadeia. O objetivo é matar agentes penitenciários. A ordem é direta: "É para fazer de cinco a quinze agentes, irmão".
O trabalho de monitoramento telefônico feito pela Secretaria de Segurança revela minúcias da logística do PCC. O bando aluga imóveis para abrigar criminosos procurados pela polícia. Um dos casos mais recentes é o de Emivaldo Silva Santos, o "BH". Ele era um dos líderes do PCC na região metropolitana de São Paulo. Atuava fora da cadeia, nas áreas de tráfico de drogas e assaltos. Depois dos ataques do "maio sangrento", BH teve de se esconder da polícia. O bando alugou para ele uma casa no município de Mongaguá, no Litoral Sul de São Paulo. O criminoso passou dois meses escondido no local e foi preso na semana passada, numa estrada a caminho de São Paulo. Acredita-se que ele iria reforçar o comando da segunda onda dos ataques em massa. Esse, pelo menos, não teve sucesso.
O QUE PODE SER FEITO
• Isolar os líderes das facções em presídios distantes dos seus estados. A estratégia funcionou com Fernandinho Beira-Mar, o principal traficante do Rio de Janeiro, que encolheu depois de ser transferido de Bangu 1.
• Asfixiar financeiramente o PCC, rastreando contas bancárias e "laranjas" e solapando fontes de renda vitais, como os pontos-de-venda de drogas
• Usar continuamente meios de inteligência como escutas telefônicas e agentes infiltrados nas facções. Foi assim que a Itália desbaratou a ação da Máfia
Fábio Portela e Juliana Linhares
2 OS DONOS DA CADEIA
Dirceu Portugal/AE |
Está dominado: o PCC controla o sistema prisional através de corrupção e intimidação; pôr um celular na mão do bandido pode valer até 5 000 reais |
O PCC nasceu, cresceu e virou um monstro dentro do sistema prisional de São Paulo. Suas armas são a corrupção, a ameaça, a violência e a exploração dos desvãos do sistema. Construiu assim para seus líderes o melhor dos mundos possível atrás das grades, dispondo livremente de dinheiro, poder, sexo e, para quem quisesse, drogas. É isso que eles querem recuperar com os ataques contra a sociedade. Corromper não é tarefa das mais difíceis. Investigações do Ministério Público e da Polícia de São Paulo mostram que, para colocar um celular dentro de um presídio, um agente penitenciário recebe de propina até 5 000 reais, nos casos mais "difíceis". O piso salarial da categoria é de 1 650 reais, razoável nas circunstâncias brasileiras, mas a tentação muitas vezes é mais forte. A cada mês, são apreendidos 200 celulares nas 144 unidades prisionais de São Paulo – e, pelo que se vê, são rapidamente substituídos. Quando a corrupção não funciona, os líderes do PCC recorrem à intimidação e à violência. Funcionários dos presídios e até detentos que se recusam a colaborar com a facção criminosa passam a ser perseguidos. A ex-agente penitenciária Rosana Carvalho sabe como funciona a estratégia do terror. No início de julho, ela perdeu o marido, Otacílio do Couto, também agente, uma das vítimas da recente série de atentados. A própria Rosana havia abandonado a carreira depois de receber em sua casa cartas de presidiários. "Eles sabiam tudo sobre minha vida, meus horários e meus hábitos", relatou a VEJA. Nas últimas três semanas, sete agentes penitenciários foram atacados nas imediações de casa. Cinco morreram.
A operação que resultou na morte de Otacílio e de seus colegas foi orquestrada pelos líderes do PCC, de dentro das cadeias. Nem o rigoroso regime de segurança máxima do presídio de Presidente Bernardes, onde estão encarcerados os cabeças da organização, impede a comunicação entre os presos. Depois da prisão de advogados que funcionavam como pombos-correio dos detentos (veja reportagem na pág. 50), os chefões mudaram de tática: passaram a pressionar presos que não são ligados ao PCC para que transmitissem às suas mulheres as ordens para assassinatos, rebeliões e ataques. Marcola, o líder da facção, nunca fala ao celular e, desde os ataques de maio, também não recebe mais advogados. Porém, diariamente tem direito a uma hora de banho de sol com outros quatro presos. "Eles são obrigados a passar para suas mulheres as informações que o Marcola quer que cheguem às outras penitenciárias. Se os presos não passarem, sabem que sua família será morta", diz um policial que participa das investigações.
O PCC também tem tentado uma tática mais refinada para aumentar o controle dos presídios: infiltrar criminosos nos concursos públicos para agente penitenciário. Em maio do ano passado, uma prova do governo federal que selecionaria carcereiros para o recém-inaugurado presídio de segurança máxima de Catanduvas, no Paraná, teve de ser cancelada. Investigadores da Polícia Civil do Distrito Federal e da Polícia Federal descobriram que uma quadrilha havia conseguido cópia antecipada da prova, colocando-a à venda por 20.000 reais. O grupo, que também atuava em outros concursos em vários estados do país, foi preso. Agora a polícia investiga os contatos entre essa máfia e integrantes do PCC, em São Paulo. Escutas telefônicas feitas pela Secretaria de Segurança Pública do Estado mostram que líderes da facção criminosa estavam especialmente interessados nos gabaritos da prova para o presídio de Catanduvas. Em maio, durante depoimento à CPI do Tráfico de Armas, Marcola perguntou aos parlamentares se o regime na nova penitenciária seria tão rigoroso quanto o do presídio de Presidente Bernardes, onde o chefe do PCC está encarcerado. É para lá que ele não quer ir de jeito nenhum.
O QUE PODE SER FEITO
• Criar um código penitenciário nacional que regule as relações entre os presos e a administração das penitenciárias. O que existe hoje são regras que variam de presídio para presídio e de estado para estado. Uns são mais rigorosos, outros menos
• Nos casos de corrupção, acelerar os processos de investigação e a conseqüente expulsão do agente
• Aumentar as penas quando um preso cometer crimes contra agentes penitenciários e forças de segurança pública
Juliana Linhares e Victor Martino
3 DOUTORES DO CRIME
Jorge Santos/AE | Dida Sampaio/AE |
Advogadas a serviço dos bandidos: Libânia Costa (à esq.), ao ser presa por transmitir ordens de líderes do PCC, e Cristina Rachado, que comprou para Marcola a gravação de depoimento secreto de policiais |
Profissionais que desonram sua categoria existem em todas as áreas, mas cortar as asas dos doutores do crime a serviço do PCC tornou-se um caso de interesse vital não só das organizações que representam o setor como de toda a sociedade. Há duas semanas, o Ministério Público paulista deflagrou a primeira operação feita com o objetivo específico de desmascarar os advogados que funcionam como pombos-correio dos criminosos. Foram presos Eduardo Diamante, Libânia Costa e Valéria Dammous. Interceptações telefônicas mostraram que os três nunca conversavam sobre processos jurídicos com seus clientes. Nem sequer tinham procuração para defendê-los. A tarefa do trio era discutir com os presos assuntos como organização de rebeliões, tráfico de celulares para dentro dos presídios e corrupção de agentes penitenciários. "Apesar de terem registro na OAB, eles não trabalhavam como advogados, e sim como criminosos do PCC", diz o promotor José Reinaldo Carneiro. Libânia e Valéria confessaram o envolvimento com os crimes. Seus depoimentos foram obtidos com exclusividade por VEJA. Elas se formaram em direito há cerca de cinco anos e deixaram-se cooptar pelo PCC. Recebiam 8.000 reais por mês para servir aos bandidos.
Libânia transmitiu a ordem que deu início à rebelião em Araraquara, no mês passado. Os presos destruíram quase tudo, foram confinados em uma ala remanescente e geraram as imagens chocantes divulgadas há duas semanas. Valéria pode ter sido o canal para crimes muito mais graves. No dia 26 de junho, segundo o Ministério Público, recebeu instruções de repassar a bandidos a ordem para o assassinato de cinco agentes carcerários. A advogada nega ter acedido. Os ataques a agentes começaram dois dias depois de suas visitas a líderes do PCC. Outra doutora do PCC demonstrou maior desenvoltura. Maria Cristina Rachado, advogada de Marcola, comprou por 200 reais a gravação de um depoimento sigiloso prestado por policiais paulistas à CPI do Tráfico de Armas. O CD foi entregue a Marcola e pode ter motivado os ataques desferidos por membros da facção em maio. Maria Cristina teve seu registro suspenso pelo Tribunal de Ética da OAB.
Os criminosos usam as prerrogativas dos advogados a serviço da ilegalidade. Graças a sua condição profissional, advogados podem entrar nos presídios fora dos dias de visita, não se submetem a revista e, se forem investigados, podem se recusar a falar sobre as conversas que tiveram com os presos alegando sigilo profissional. São instrumentos fundamentais para o trabalho dos advogados honestos e para as garantias democráticas. Não é admissível, porém, que continuem a servir aos criminosos. Estes, como sempre, são mais rápidos do que as autoridades e as organizações profissionais. Em uma investigação paralela, a Polícia Civil já descobriu pelo menos duas estudantes de direito cujos cursos são pagos pela organização criminosa. Uma delas é Cynthia Giglioli da Silva, que está no 3º ano do curso. Quem é ela? A mulher de Marcola, o chefe do PCC.
O QUE PODE SER FEITO
• Monitorar com câmeras de vigilância os encontros entre advogados e seus clientes e evitar contato físico entre eles. A medida já é usada em presídios de segurança máxima
• Impedir a visita de advogados que não comprovem oficialmente atuação na defesa judicial do preso visitado. São esses os "pombos-correio" do PCC
• Permitir que advogados sejam submetidos a revista e que seus pertences passem por aparelhos de raios X
Fábio Portela
4 LEIS QUE ATRAPALHAM
Marcelo Soubhia/Folha Imagem |
Preso deixa cadeia graças a indulto: brecha na legislação beneficia criminosos do PCC |
No último Dia das Mães, 12.645 presos deixaram as penitenciárias de São Paulo para comemorar a data em casa. Nesse mesmo fim de semana, o PCC orquestrou a maior onda de ataques de sua história. Não foi coincidência. Liberados nessa leva, presos devedores da facção receberam a tarefa de passar orientações sobre os atentados aos criminosos que estavam fora das cadeias. A saída temporária é popularmente conhecida como indulto. Previsto na Lei de Execução Penal, o benefício permite que condenados em regime semi-aberto deixem a cadeia por um prazo de até sete dias, em cinco ocasiões no ano, de forma a preparar seu retorno ao convívio social. É também um exemplo de como uma norma boa e necessária pode ser transformada em instrumento do crime. "Por meio de dispositivos legais, os presos recebem benefícios que facilitam a ação de organizações criminosas", avalia a procuradora de Justiça aposentada Lúcia Casali, que trabalhou na Vara das Execuções Criminais de São Paulo por vinte anos.
O potencial danoso desses dispositivos aumenta se o cenário prisional é corrompido e com pouca estrutura de fiscalização. Tome-se o exemplo do "jumbo", regulamentado pela Secretaria de Administração Penitenciária de São Paulo, que permite aos presos receber um pacote com produtos que vão de alimentos a itens de higiene. Na maior parte dos presídios, não há estrutura para fiscalizar a entrada de todos os pacotes, que são trazidos pelos parentes dos presos em dias de visita. Desse modo, o "jumbo" tornou-se um artifício que facilita a entrada de drogas, celulares e armas nos presídios. Agentes que acompanham de perto as revistas contam que já viram de tudo: droga injetada em laranja, frango assado recheado de crack, escova de lavar roupas que esconde bateria de celular. Encomendas externas e relações sexuais autorizadas são formas de administrar a tensão dos presídios que soam estranhas em outras culturas. "O contato físico permitido é mínimo. Um abraço, um beijo, pegar na mão", conta Andy Barclay, do Centro Internacional para Estudos de Prisões, da Universidade de Londres, sobre as condições em seu país. Em São Paulo, todos os presos, independentemente do regime a que estão submetidos, podem receber quatro visitas íntimas por mês. O benefício é mais um facilitador da comunicação dos detentos com o lado de fora das cadeias.
A combinação de condições carcerárias hediondas, de um lado, com leniência absurda, na prática ou na letra da lei, de outro, é tipicamente brasileira. O regulamento de progressão de pena, por exemplo, prevê que após o cumprimento de um sexto da condenação o criminoso tem direito à transferência para o regime semi-aberto. Antes, para autorizarem a concessão desse benefício, os promotores contavam com um exame criminológico, realizado por psiquiatras, assistentes sociais e membros da administração penitenciária, que avaliavam se o preso estava em condições de ser reintegrado. Em 2003, esse requisito foi retirado da lei. Hoje, para avançar no regime, basta que o preso apresente um atestado de bom comportamento, requisito que muitos líderes de facções criminosas preenchem, visto que o serviço sujo é feito por seus comandados. "Acabar com a exigência do exame foi um dos maiores atentados contra a segurança pública", critica Marcos Barreto, da Promotoria de Justiça das Execuções Criminais de São Paulo.
O QUE PODE SER FEITO
• Alterar a Lei de Execução Penal para que o preso de alta periculosidade possa ser mantido em regime disciplinar diferenciado, mais rígido, por tempo indeterminado. Hoje, o tempo máximo é de até dois anos
• Acabar de vez com a entrada nos presídios dos "jumbos", as encomendas de objetos pessoais e de higiene usadas para fins ilícitos. Em contrapartida, o Estado tem de cumprir a lei e prover as necessidades básicas dos presos
• Criar uma lei específica para o delito de crime organizado, com penas mais duras
Camila Pereira e Rafael Corrêa
5 ERROS POLÍTICOS
Sergio Dutti/AE |
O ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, em reunião de emergência sobre os ataques: estados e governo federal brigam, o crime sai ganhando |
Há muitas maneiras de enfrentar o crime organizado. Mas basta uma para entregar a vitória de bandeja aos bandidos: manipular politicamente a volátil questão da segurança pública. O que, naturalmente, tem sido feito com grande entusiasmo desde o primeiro ataque do PCC, em maio. Com a nova dose, na semana passada, os candidatos à Presidência Lula e Geraldo Alckmin – e respectivos aliados – entregaram-se ao jogo da culpabilização. Enquanto os órgãos de segurança de São Paulo conseguiam articular uma reação, voavam inocuidades pelos ares. Na quarta-feira, o presidente Lula anunciou que um contingente de 4 000 homens da Força Nacional de Segurança Pública estava à disposição do governador Cláudio Lembo. Ocorre que só as forças de segurança do estado têm 130.000 agentes. Com seu estilo deixa-que-eu-chuto, o secretário de Segurança Pública, Saulo de Castro, avisou ao ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, que dispensava a Força Nacional, mas aceitava de bom grado um aporte financeiro. Em 2001, o Fundo Nacional de Segurança Pública transferiu para os estados 387 milhões de reais. No ano passado, o repasse direto foi de 112 milhões de reais, 70% a menos. Em contrapartida, a cúpula tucana passou a acusar, sem nenhum indício, uma conexão PCC-PT.
No próprio governo paulista grassam os embates. Saulo de Castro e Nagashi Furukawa, secretário de Administração Penitenciária até maio, não se falavam. O indispensável trabalho conjunto dessas duas secretarias para combater o crime era inexistente. Furukawa era acusado por Saulo de conduzir uma política permissiva nos presídios paulistas. Mas o secretário de Segurança também se queimou ao proclamar a irrelevância do PCC. Furukawa pediu demissão. Para seu lugar foi chamado o procurador Antonio Ferreira Pinto, ligado a Saulo. Agora, pelo menos os serviços de inteligência das duas secretarias trocam informações. Que bom, não?
O QUE PODE SER FEITO
• Mudar o DNA dos políticos talvez seja a tarefa mais difícil. Primeiro passo: em vez de trocarem acusações, os governos federal e estadual deveriam integrar plenamente seus serviços de inteligência
• Criar um mecanismo conjunto de controle e divisão dos repasses do Fundo Nacional de Segurança Pública. Hoje, a decisão cabe apenas ao governo federal
• Comando único para as polícias Civil e Militar. Hoje, as duas corporações disputam poder junto às secretarias de Segurança Pública
Victor Martino
"VAMOS PARA O ARREBENTO"
A capacidade de comandar atividades criminosas mesmo dentro das cadeias é exposta nesta gravação feita pela Secretaria de Segurança Pública de São Paulo no fim de junho. Em conversa pelo sistema de teleconferência, dois presos (P1 e P2) cumprindo pena em presídios diferentes encomendam a um "piloto" – ou capataz – chamado Marcinho, contatado em uma favela de São Bernardo do Campo, que assassine agentes penitenciários. Também mandam recados ameaçadores a outros criminosos da região do ABC, em torno de São Paulo, pela atitude que consideram tíbia durante a grande onda de ataques do último mês de maio. Um resumo:
P1 – Aí, meus irmãos, uma saudação para todos, sem exceção. Nós estamos repassando um salve do comando. É um salve para todas as quebradas e em especial para a região do ABC. O comando está decepcionado com o ABC, porque da primeira vez o ABC foi uma vergonha. Foi uma vergonha total. Todo mundo participou, vários irmãos morreram guerreando e o ABC deixou a desejar. Não fez a sua parte. Agora é a hora de fazer a coisa certa. Nessa quebrada sempre foi tudo lindo e elegante, não é agora que vai ficar quadrado, certo, meus irmãos? Então é o seguinte, esse salve é prioridade e o irmão que não acatar vai ser cobrado à altura. O salve é para ficar todo mundo na sintonia, sem exceção. Quando chegar a hora de ir para o arrebento, todo mundo tem que estar na sintonia. Quem deixar o telefone na caixa postal vai ser cobrado à altura.
P2 – Vamos falar a real. Tá todo mundo sabendo que é o seguinte: quem der caixa postal vai pagar com a vida, entendeu? É isso. Aí, maloqueiro, o salve é esse. O ABC envergonhou na outra situação. Não vou ficar citando nomes, mas cada um sabe o que fez e o que não fez.
Marcinho – Certo, irmão. Quanto a essa situação, não vai ter nenhum problema. O salve chegou até mim, e não vai deixar de ser resolvido. Não vai ter nenhum problema, até já estou falando com mais dois moleques aqui da área para eles fecharem comigo. Eles vão fechar comigo e nós vamos para o arrebento.
P1 – Você entendeu o salve, meu irmão?
Marcinho – Entendi tudo. Sem problema.
P1 – É para fazer de cinco a quinze agentes, irmão.
Marcinho – Entendi. Vai ser cumprido.
A promessa não foi cumprida. Marcinho foi morto, com mais doze homens, quando preparava o ataque encomendado a agentes do Centro de Detenção Provisória de São Bernardo, no dia 26 de junho, às 6h30.
CAIXA-FORTE Anotado nos mínimos detalhes entre setembro de 2004 e junho de 2005, o livro-caixa elaborado por Deivid Surur, conhecido como DVD, mostra a movimentação mensal sob seu controle. A receita provém de contribuições de criminosos em liberdade e do pagamento de empréstimos. As despesas incluem a "mesada" dos bandidos presos, pagamentos de advogados e gastos com armas e "ação social". Três meses depois de preso, o "tesoureiro" foi encontrado enforcado. Uma amostra de suas anotações: |
1. Quilo de droga |