O Estado de S. Paulo
1/7/2006
O governo Lula parece ter entendido que os materiais de construção
são tão importantes para a população de baixa renda quanto os
alimentos básicos. Por isso, dia 12 adotou o segundo pacote do ano de
desoneração tributária (redução de IPI) de produtos "da cesta básica
da construção civil".
O cimento não está nessas duas listas, mas, em princípio, poderia ser
o principal beneficiário na medida em que praticamente não há obra de
construção civil que não leve seu quinhão de cimento.
No entanto, o cimento só não está tirando mais proveito desses
empurrões porque o ritmo da construção civil no Brasil continua
lento. Não mostra reação nem à distribuição de bondades tributárias.
Apesar disso, tem tudo para tornar-se grande cabo eleitoral do
candidato Lula à Presidência da República.
A população sabe comparar. No último ano do governo Fernando
Henrique, o saco de cimento de 50 quilos podia ser encontrado nas
casas de materiais de construção por volta dos R$ 20 e hoje está ao
redor dos R$ 11. E isso conta.
Considerado o período compreendido entre junho de 2003 e final de
junho, os preços médios do cimento no mercado varejistas caíram 38%,
conforme nos dão conta as estatísticas do Sindicato da Habitação, o
Secovi.
No imaginário popular, aconteceu com o cimento o mesmo que aconteceu
com os alimentos e a maior parte dos itens da cesta básica. Para o
povão, a queda de preços é conseqüência da política antiinflacionária
do presidente Lula. Mas isso é um equívoco.
Os preços do cimento caíram por uma única razão: porque a indústria
enfrenta uma enorme capacidade ociosa, de nada menos que 40%, e vai
despejando cimento no mercado aos preços que o lado da procura está
impondo. A capacidade de produção no Brasil é hoje de 62 milhões de
toneladas por ano, mas em 2005 a produção não passou dos 36,7 milhões
de toneladas, para um consumo aparente de 35,4 milhões de toneladas.
Neste ano, não houve mudança relevante nesses números. No primeiro
trimestre, foram produzidos 12,1 milhões de toneladas e vendidos 11,8
milhões.
Durante a década de 90, o consumo aparente de cimento no Brasil
cresceu rapidamente. Passou de 25,9 milhões de toneladas no início da
década para 40,2 milhões em 1999. Para os industriais do setor, este
salto foi a senha para a corrida aos investimentos, como explica José
Otávio Carvalho, secretário-executivo do Sindicato Nacional da
Indústria de Cimento (Snic). Eles acreditavam que a estabilização da
economia (inflação em queda) e a maior disponibilidade de crédito
acabariam por estimular a construção civil e, portanto, o consumo de
cimento. Mas o cenário imaginado não se confirmou.
Entre os fatores que contribuíram para essa estagnação figura a crise
do real em 1999 e as incertezas políticas de 2002. A volatilidade
econômica tem alto poder de estrago no setor de cimento, onde, uma
vez iniciados, os investimentos não podem parar. Além disso, têm
longo prazo de maturação (demoram a dar retorno).
O "consumo formiga" ou autoconsumo, que é o uso de pequenas
quantidades para fazer o puxadinho no quintal ou a reforma do quarto
das crianças, corresponde hoje a cerca de 60% do consumo de cimento
no Brasil.
O restante vai para o setor privado e para as obras de infra-
estrutura do governo. Como o investimento em infra-estrutura no
Brasil foi muito baixo, o escoamento do cimento ficou difícil também
por isso.
No resto do mundo, a maior parte do cimento é consumida em obras de
infra-estrutura, ao contrário do que acontece no Brasil, onde ela
corresponde a somente 19% do total.
Apenas para comparar, veja o que aconteceu nos países que perfazem a
badalada sigla BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China). Entre 1998 e
2004 o consumo de cimento cresceu 85% na Rússia; 77% na China; e 49%
na Índia. No Brasil, caiu 15%.
O baixo preço do cimento pode colaborar para estimular a construção
civil. Com isso, o aumento da demanda acabará puxando naturalmente os
preços. Mas, enquanto isso não acontecer, a propaganda eleitoral
seguirá argumentando que o achatamento dos preços do cimento é
vitória da política econômica do presidente Lula.