Entrevista:O Estado inteligente

sábado, julho 22, 2006

CELSO MING Idéia viciada

ESTADO

Parece sintomático que as duas grandes sensações da reunião de cúpula do Mercosul que se realizou nos dois últimos dias em Córdoba, na Argentina, não têm voto no Mercosul. Foram Fidel Castro, o presidente de Cuba, que não faz parte do bloco; e Hugo Chávez, o presidente da Venezuela, que já é membro, mas não tem poder de decisão formal.

Bem, se é sintomático, é sintoma de quê? Talvez de que, na falta de progresso na integração entre seus membros, o Mercosul reforce a produção de espuma. Há anos as reuniões de cúpula do bloco têm se caracterizado pela profusão de retórica e pelo baixo conteúdo do processo decisório. O presidente argentino, Néstor Kirchner, vinha se queixando da baixa produtividade dos encontros.

A Argentina propôs a criação de um banco regional, recebida "com agrado" pelos chefes de Estado, como consta no item 18 do Comunicado Conjunto ontem publicado. Parece uma idéia confusa e, se posta em prática, onerosa para o Brasil.

Como amplamente divulgado, a justificativa inicial do governo argentino era a de que o Banco viria para dispensar o Fundo Monetário Internacional se, às voltas com problemas de caixa, um membro do Mercosul precisasse de socorro.

Se for isso, essa instituição financeira corre graves riscos porque supostamente vem para fornecer empréstimos em condições mais frouxas do que as normalmente impostas pelo Fundo. Na prática, aumentaria o risco de calote ou de descaso na responsabilidade fiscal do país devedor.

Mas há pelo menos mais três razões para que o Brasil rejeite uma proposta assim concebida. A primeira: se já existem recursos disponíveis no FMI para emergências, por que não usá-los em vez de inventar outro organismo emprestador de última instância, que não pudesse operar com juros mais baixos?

A segunda é a própria condição do Mercosul, que deveria ter mais noção de seus limites. Se não é propriamente o bloco dos esfarrapados, também não pode se dar ao luxo de criar um fundo monetário do Cone Sul. E, terceira razão, se for criado um fundo desses, a maioria dos recursos acabará saindo do contribuinte brasileiro que, decididamente, tem outras prioridades a atender com sua escassez.

A coisa muda um pouco de figura se a idéia é criar um banco de desenvolvimento regional, uma espécie de BNDES do Mercosul, com objetivo de financiar projetos de infra-estrutura na área. É a justificativa oficial.

Essa idéia tem menos vícios do que a anterior, mas tem alguns. Um deles é o de que ignora a existência, em escala pan-americana, de um banco de fomento, o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), com uma carteira de empréstimos de US$ 50 bilhões, que também está à disposição dos sócios do Mercosul.

Dificilmente o novo banco do Mercosul teria condições de emprestar a juros mais baixos do que os cobrados pelo BID ou, mesmo, do que os cobrados pelos fornecedores de empréstimos levantados no mercado internacional. E, outra vez, a maior parte da capitalização de um banco regional acabaria sendo empurrada para o Brasil.

Enfim, há tarefas mais urgentes a cumprir. Uma delas é assegurar a sobrevivência do próprio Mercosul, que vai de mal a pior, não consegue nem ser uma área de livre comércio e passa por delírios de bloco rico.

celso.ming@grupoestado.com.br

Arquivo do blog