11/7/2006
Há certa dose de descaso e de retrocesso na maneira com que o
Ministério da Fazenda está conduzindo a reforma cambial.
No dia 5, esta coluna criticou o ministro Guido Mantega e seu
secretário de Política Econômica, Júlio Sérgio Gomes de Almeida, por
defenderem a necessidade de "compensações" para o Tesouro pela
suposta perda de arrecadação de CPMF caso o exportador seja
autorizado a usar parte de suas receitas em dólares para pagar
fornecedores externos, sem necessidade de trocá-las aqui dentro
primeiro.
As segmentadas informações passadas principalmente pelo ministro
Guido Mantega sobre o tema apontam para novas distorções.
A primeira delas é a de que um dos capítulos mais importantes da
reforma, o da flexibilização da cobertura cambial, seria baixado,
dentro de alguns dias, por meio de Medida Provisória. Os próprios
elaboradores do projeto apresentado em fevereiro pela Confederação
Nacional da Indústria entenderam que a matéria é parte integrante do
artigo 192 da Constituição, o que requer regulamentação por lei
complementar. Assim considerada, a decisão exige votação qualificada
no Congresso, por maioria de três quintos.
Se o governo insistir em usar Medida Provisória para alterar as
regras da cobertura cambial, além de poder vir a enfrentar a
necessidade de reeditá-la sucessivamente até que o Congresso resolva
votá-la, se arrisca a ter sua constitucionalidade questionada no
Supremo por qualquer integrante do Ministério Público Federal. Enfim,
estamos falando de risco de insegurança jurídica em questão cambial.
Uma segunda distorção envolve outro aspecto da cobertura cambial.
(Apenas para quem não está habituado ao jargão do setor, cobertura
cambial é a exigência de que toda empresa que receba moeda
estrangeira venda seus dólares no câmbio interno e que todo aquele
que precisar de moeda estrangeira para pagar conta no exterior também
compre dólares no câmbio interno. Isso produz irracionalidades. Uma
delas é a de que o exportador não possa usar sua receita em dólares
para pagar contas lá fora, o que o obriga a recomprar aqui mesmo os
dólares que está vendendo. A proposta é permitir que essas contas
sejam compensadas e que só se leve ao câmbio a diferença.)
O ministro Guido Mantega já declarou que a exigência de cobertura
cambial será retirada só para casos escolhidos a dedo. A intenção é
dar uma compensação para setores exportadores que estejam perdendo
com a valorização do real diante do dólar e não estendê-la a todos.
Essas idéias do ministro envolvem irracionalidades. Não são apenas
empresas de comércio exterior que têm despesas a pagar lá fora. Há
também os devedores de empréstimos externos, os que precisam remeter
lucros, os devedores nas operações de leasing e aluguel, agências de
viagem que precisam pagar hotéis e companhias de transporte... Enfim,
a lista é enorme. Criar facilidades apenas para um punhado de
apaniguados tende a produzir novas aberrações.
Uma dessas aberrações consiste em dar as tais compensações a
exportadores que tenham perdido competitividade em conseqüência da
valorização do real diante do dólar.
Essas perdas podem ser conjunturais ou episódicas. Isso significa
que, de tempos em tempos, o governo teria de rever a lista de
beneficiários. É querer fazer política industrial (ou setorial) com
operações de câmbio.
Muitas empresas, provavelmente as mais necessitadas de compensações,
não exportam diretamente; usam para isso uma trading company. Como
estender o benefício a elas nessas condições?
O ministro Mantega também avisou que não será permitida abertura de
contas em bancos ou instituições no exterior para efeito de uso de
dólares de exportação para pagamento de fornecedores. Se os dólares
obtidos com receitas de exportação não podem ser depositados em
instituições no exterior, como então poderão ser custodiados ou
receber algum rendimento?
Em síntese: se é para criar insegurança jurídica, privilégios,
exceções, complicações e toda parafernália burocrática necessária
para controlar uma estrutura dessas, então é melhor deixar tudo como
está.
O principal objetivo da reforma cambial proposta é modernizar,
simplificar e reduzir custos. As declarações do ministro Guido
Mantega e de seus subordinados sobre esse assunto apontam em direção
oposta.