Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, dezembro 22, 2005

Quando cinco é menor que quatro POR Eduardo Graeff


Será que ter eleições a cada cinco anos vai aproximar representantes e representados? Eu diria o contrário

Folha de S. Paulo (22/12/05)

Vamos admitir que a reeleição não deu mesmo certo no Brasil. Digamos que ela funciona em outros países, mas que, aqui, não há clima para isso (mais ou menos como se argumentava contra as eleições diretas no ocaso da ditadura, mas isso é outra história). Tudo bem. O que me preocupa é: Que preço estaremos dispostos a pagar para corrigir esse suposto equívoco?

Fala-se em acabar com a reeleição e aumentar o mandato presidencial para cinco anos, já que quatro anos seria pouco tempo para um presidente levar adiante as mudanças de que o país necessita. Mas como é que ficam, nessa hipótese, os outros mandatos? É aí que mora o perigo, receio.

Se só o mandato presidencial for aumentado para cinco anos, voltaremos ao descasamento entre mandato presidencial e mandatos parlamentares que já deu problemas no passado.

Para ficar no passado recente, Collor assumiu a Presidência em março de 1990 para um mandato de cinco anos depois de disputar uma eleição "solteira" em 1989, o que lhe facilitou derrotar os candidatos dos principais partidos com representação no Congresso.

No primeiro ano, com todo o gás do respaldo popular recém-obtido, aprovou o que quis num Congresso de facho baixo, em final de mandato. No segundo ano, o jogo virou: um presidente já desgastado pelos tropeços da política econômica pegou pela frente um Congresso novo em folha, com a legislatura inaugurada em fevereiro de 1991.

É claro que não foi isso que levou ao desfecho prematuro. Collor sofreu o impeachment em outubro de 1992 porque fez por merecer. Mas que o descasamento contribuiu tanto para a ascensão como para a queda dele, disso eu não tenho dúvida.

Agora, projetemos esse cenário para a frente. No ano que vem, elegemos um presidente por cinco anos, e deputados, por quatro. Em 2010, haverá eleições parlamentares, com o esvaziamento inevitável do Congresso no segundo semestre. E, em 2011, um presidente em final de mandato, sem possibilidade de reeleição, terá de se haver com um Congresso renovado. Para que lado esse Congresso vai olhar: para o da Presidência poente ou para o das alternativas de poder nascentes? Se ao calendário se somar o desgaste provável do governo, olha aí os cinco anos virando três e meio, na prática, para fins legislativos.

O presidente seguinte, por sua vez, assumirá numa situação semelhante à de Collor, depois de uma eleição "solteira" em 2011. O seguinte será eleito em 2016, com os prefeitos e vereadores, pegando dois anos de mandato com um Congresso Nacional velho e três anos com a Casa renovada.
E por aí vai, num ciclo que só produzirá eleições presidenciais coincidentes com as eleições parlamentares - ou eleições e mandatos presidenciais equivalentes, seja como for, do ponto de vista do calendário - a cada 20 anos. Cada geração de políticos e eleitores terá tudo para passar pelas surpresas e pelos tropeços da anterior, condenando o país a uma espécie de inexperiência política eterna. Esquisito, não?

Se as vantagens e desvantagens da reeleição são discutíveis, poucos negariam que a coincidência de mandatos do presidente e deputados a partir de 1995 foi um ganho para a governabilidade, na medida em que facilitou a sincronização das agendas do Executivo e do Legislativo. Nem falo da relação tranqüila dos Poderes nos oito anos de FHC. Mesmo a crise do governo Lula não tem nada de queda-de-braço Executivo X Legislativo, por mais que Lula tente se isolar da crise, jogando-a no colo do Congresso Nacional.

OK. Então, para não abrir mão da coincidência, vamos aumentar também o mandato de deputado federal para cinco anos. E o de senador, para dez anos, supõe-se, a fim de manter a métrica. E os de governador, deputado estadual, prefeito e vereador? Alguém imagina que eles vão admitir ficar de fora? A propósito: o fim da reeleição valerá também para governadores e prefeitos?

Bem, cinco anos de mandatos para todos talvez facilite a vida dos políticos. Dos eleitores, receio que não. O desgaste das nossas instituições políticas tem a ver com um déficit de legitimidade, tanto quanto (ou mais que) de governabilidade. Os eleitores simplesmente não se reconhecem nesse Congresso Nacional -nem nas Assembléias Legislativas dos Estados e nas Câmaras Municipais- que elegem a cada quatro anos, sem saber muito bem como elegem, pelo misterioso sistema proporcional de listas partidárias abertas. Será que ter eleições a cada cinco anos vai aproximar representantes e representados? Eu diria o contrário.

Conclusão: se o problema é a reeleição, por favor, vamos dar um jeito de acabar com ela sem mexer na duração dos mandatos, sob pena de trocar um suposto problema por outros piores.

Eduardo Graeff, 56, sociólogo, é assessor do PSDB na Câmara dos Deputados e analista político do site e-agora (www.e-agora.com.br). Foi secretário-geral da Presidência da República no governo Fernando Henrique Cardoso.

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